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Ucrânia intensifica comércio com a Europa

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MUKACHEVO, UCRÂNIA – Antes de percorrer as trilhas e encostas nevadas, boa parte dos esquis do mundo começa a vida nessa fábrica enorme no oeste da Ucrânia.

Aqui, trabalhadores habilidosos combinam fitas flexíveis de fibra de carbono e chapas de titânio rígido, empilhando tudo como em uma espécie de bolo e prensando sob o calor das máquinas, dando forma e polimento até que se tornem os esquis utilizados na prática de cross-country ou downhill.

Aqui, os trabalhadores também usam vapor para dobrar a madeira e fabricar os tacos utilizados por jogadores de hóquei do mundo todo, vendidos por marcas como Nike e Oxelo.

A proprietária austríaca da fábrica, a Fischer Sports, paga o equivalente a US$307 ao mês em média aos funcionários – cerca de um oitavo do valor pago a operadores de máquinas e marceneiros experientes na sede da Fischer.

E desde janeiro deste ano, quando um novo pacto de livre comércio foi firmado entre a Ucrânia e os 28 países da União Europeia, os custos da Fischer caíram ainda mais com a eliminação das tarifas sobre o maquinário e as matérias primas que vão até a fábrica, bem como sobre os produtos finalizados, que são comercializados no restante do continente.

O pagamento pode parecer ruim para os padrões ocidentais, mas os 1.500 funcionários da fábrica veem os empregos como uma oportunidade. A Ucrânia é um dos países mais pobres do Hemisfério Norte, com uma economia que gera menos de US$3.100 per capita ao ano.

— A Europa é nosso futuro — afirmou Yuri V. Oros, operador de máquinas na linha de esquis.

Porém, o futuro sofre com o passado problemático do país e o conflito da Ucrânia com a Rússia. Agora, o nacionalismo ameaça a solidariedade da União Europeia. Em um referendo votado recentemente pela Holanda, por exemplo, quase dois terços dos eleitores holandeses pediram para que o governo deixe de apoiar o pacto com a Ucrânia.

E embora a Fischer e outras multinacionais, incluindo a Nexans, uma fabricante francesa de cabos elétricos, tenham investido em fábricas na Ucrânia para tirar proveito do acordo de livre comércio, muitas outras empresas ainda têm medo de se arriscar nessa antiga república soviética.

Por isso, não se sabe ao certo quais serão os benefícios do pacto comercial para além da região mais ocidental da Ucrânia, na divisa com a Polônia, onde boa parte dessas fábricas está se instalando, ou na economia desse país de 44,4 milhões de habitantes, dos quais cerca de cinco milhões vivem atualmente em áreas requisitadas pela Rússia, ou por separatistas pró-Rússia.

— Vamos ouvir falar de histórias de sucesso aqui e ali, mas ainda é cedo demais para falar em um sucesso real —afirmou Tymofiy S. Mylovanov, presidente da Escola de Economia de Kiev.

No geral, afirmou Mylovanov, a economia ucraniana mal está crescendo, afetada pela baixa produtividade dos trabalhadores e pela corrupção generalizada. Segundo ele, somente no longo prazo o acordo comercial poderá tirar os ucranianos da pobreza.

O acordo, conhecido como Acordo de Associação com a União Europeia, já percorreu um caminho tortuoso. Depois que um ex-presidente ucraniano o rejeitou em 2013, optando por um acordo com Moscou, cidadãos pró-Europa tomaram as ruas de Kiev em protestos que levaram a uma revolução.

O novo governo em Kiev assinou o acordo com a União Europeia em março de 2014. Mas naquele mesmo mês a Rússia anexou a província ucraniana da Crimeia, levando a uma guerra civil incitada pela Rússia no leste da Ucrânia.

Quando o acordo com a União Europeia entrou em vigor conforme o esperado, muitos ucranianos estavam tão distraídos ou desmoralizados pela guerra e pelos anos de recessão, que praticamente não notaram.

Ainda assim, aqui em Mukachevo, uma cidade pitoresca de ruas de paralelepípedos e um castelo do século XIV construído pelo Império Austro-Húngaro, a fábrica da Fischer representa um sinal de como poderia ser um futuro de maior integração com o restante Europa.

A subsidiária da Fischer na Ucrânia não revela números de faturamento, mas os executivos afirmam que os benefícios do pacto comercial devem representar um aumento de US$565 mil no lucro da fábrica este ano.

— A Ucrânia tem todas as condições iniciais para o investimento — afirmou Vasyl Ryabych, diretor da fábrica, em uma entrevista concedida em seu escritório, com vista para os jardins da fábrica e seus roseirais.

De forma similar a quando o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, firmado em 1994, levou a um aumento no número de fábricas leves – conhecidas como “maquiladoras” – na fronteira do México com os Estados Unidos, o acordo de associação deve encorajar o desenvolvimento ao longo das fronteiras da Ucrânia com a União Europeia. Em troca, a Ucrânia fica obrigada a alterar as políticas econômicas por meio de medidas que modificam o judiciário, além de uma reforma nas regras para a concessão de contratos estatais.

A fábrica da Fischer é apenas um dos sinais do investimento estrangeiro surgindo ao redor de Lviv, a capital regional da Ucrânia ocidental.

A francesa Nexans alugou terras nos arredores de Lviv, onde planeja gastar US$4,7 milhões em uma fábrica que empregaria duas mil pessoas na fabricação de cabos elétricos para automóveis. Outra fábrica da Nexans já está produzindo cabos elétricos para a BMW, a General Motors e outras montadoras na região.

A Leoni, concorrente alemã da Nexans, conta com uma fábrica em Stryi, na região de Lviv, produzindo cabos para a Volkswagen, Opel, Porsche e outras montadoras.

Além disso, no ano passado, a Fujikura, fábrica japonesa de componentes automotivos, anunciou planos de abrir uma fábrica nos próximos três anos, empregando mais 3 mil ucranianos.

— A economia está se voltando para a Europa — afirmou Veronika Movchan, economista da VoxUkraine, um grupo de pesquisa com sede em Kiev.

A mudança em favor do Ocidente aumentou o comércio da Ucrânia com a União Europeia para mais de um terço do total de exportações e importações do país, se comparado a menos de um quarto em 2012.

Entretanto, durante o mesmo período as exportações para a Rússia caíram de mais da metade para apenas 12,7 por cento – um número que pode piorar ainda mais, já que Moscou aumentou as tarifas sobre produtos ucranianos, em retaliação ao pacto comercial com a Europa.

Além disso, o fim dos impostos comerciais em transações com a União Europeia representa uma faca de dois gumes: à medida que mais produtos europeus competem com produtos locais, a Ucrânia pode ser incapaz de sustentar até mesmo a modesta previsão de crescimento de um por cento este ano, de acordo com alguns economistas.

O pacto comercial também criou restrições rígidas sobre produtos agrícolas importados pela União Europeia, apesar de a agricultura ser um dos pontos fortes da Ucrânia. As cotas para importação de mel livre de tarifas são tão baixas, por exemplo, que os apicultores ucranianos estouraram o limite nas seis primeiras semanas do ano.

— Se a Ucrânia tem qualquer esperança, ela está na agricultura. Mas o fato de já terem utilizado boa parte das cotas anuais sugere que o acordo não teve o efeito desejado — afirmou Ivan Tchakarov, economista chefe de Estados da antiga União Soviética no banco Citi.

Essa é mais uma razão para que os apoiadores do pacto comercial contem com o sucesso da fábrica da Fischer, que já começa a produzir mais que skis e tacos de hóquei.

Depois de demonstrar sua destreza com materiais a base de fibra de carbono, além de destacar o crescimento da região na fabricação de peças automotivas, a fábrica criou uma oficina que realiza o polimento de componentes para o setor automotivo.

As peças leves incluem bases para motores de alta performance dos modelos BMW M3, além de painéis externos da Audi, Porsche e Tesla. Após o polimento, as peças são enviadas de volta para mercados mais ricos.

Ryabych, o diretor da fábrica, afirmou:

— Somos como a China, mas fazemos fronteira com a Europa.


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