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Situação está cada vez mais crítica e incerta na Venezuela, dizem analistas

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RIO — O polêmica decreto de exceção anunciado por Nicolás Maduro — que se atribuiu amplos poderes para enfrentar a crise econômica — foi alvo de críticas de analistas políticas e magistrados venezuelanos, que denunciaram o uso da medida para a concentração de poder. Na noite de terça-feira, a maioria opositora da Assembleia Nacional aprovou um acordo para invalidar o decreto presidencial sobre o Estado de Exceção e Emergência Econômica. A medida também denuncia que o decreto aprofunda a alteração da ordem constitucional na Venezuela, insta a ONU, a OEA o Mercosul e o Unasul a frearem o desmantelamento da democracia no país e exige que Maduro se submeta à Constituição. A palavra final deverá ser dada pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que a oposição acusa de ser um apêndice do governo.

— Cabe unicamente à AN aprovar ou não o decreto, e o TSJ não pode fazê-lo. Mas o governo vem sistematicamente usando a Sala Constitucional como via alternativa, tentando eliminar a AN das decisões — afirmou ao GLOBO a ex-magistrada do TSJ Blanca Rosa Mármol de León.

Luis Alfonso Herrera Orellana, professor de Direito Administrativo na Universidade Central de Venezuela, concorda. Segundo ele, trata-se de uma “manobra política” e “não uma resposta jurídica séria e responsável para conter a crise”.

— A Sala não é integrada por juízes, mas por políticos subordinados a Maduro, de modo que seus pronunciamentos não deveriam ser considerados sentenças judiciais, e sim atos políticos. Maduro tenta desviar a atenção do processo do referendo e colocar medo na população com suas medidas de força, através de militares e órgãos paraestatais — denunciou ao GLOBO. — A situação está cada vez mais crítica e incerta. Até que esse governo mude, não retomaremos a normalidade institucional.

Rafael Uzcategui, coordenador-geral do Programa Venezuelano em Educação e Direitos Humanos, teme ainda o agravamento das tensões:

— A crise se agrava com o golpe de Estado de Maduro — acusou. — É um golpe por que retiram duas das três funções da AN e militariza o país.

Maduro, por sua vez, reforçou que a Assembleia “perdeu a validade política” e disse que o referendo revocatório de seu mandato é “inviável”.

— É questão de tempo para que a AN desapareça. Vão rejeitar o decreto, querem destruir a economia. Há um pouco de loucura, desespero — disse, acusando a oposição de fraudar as assinaturas. — O referendo é uma opção, não uma obrigação. Para que se transforme em realidade, necessita cumprir os requisitos. Nenhuma das opções para me derrubar ou me revogar tem viabilidade política.

O Conselho Nacional Eleitoral advertiu que a auditoria das assinaturas para ativar o referendo se estenderá até 2 de junho, o que levou a acusações de que o órgão eleitoral esteja tentando retardar o processo.

— Se o referendo acontecesse no domingo, sem dúvida Maduro seria removido do poder, por isso o chavismo decidiu usar seu controle institucional férreo para tentar adiá-lo até o ano que vem, quando o mecanismo perderia eficácia política — afirmou Edgard Gutiérrez, do Venebarómetro.

ÂNIMOS ACIRRADOS

Horas antes de a Assembleia Nacional rejeitar o estado de exceção, governo e oposição endureceram ainda mais seus discursos. De um lado, Maduro indicou que “talvez seja a hora de fazer uma nova revolução” e disse que a AN, de maioria opositora, está com os dias contados. Do outro, um dos líderes mais moderados da oposição, Henrique Capriles, conclamou os parlamentares a não aceitarem o decreto e instou os militares a decidirem “se estão com a Constituição ou com o presidente”. Tudo isso contra um pano de fundo em que Maduro denunciou um suposto complô envolvendo forças internas e externas contra seu governo. Partidos oficialistas ainda anunciaram que irão participar das manobras militares convocadas pelo presidente — justamente em Guaicaipuro, no estado de Miranda, governado por Capriles.

Para tentar mediar a crise, os ex-presidentes José Luis Zapatero (do governo da Espanha), Leonel Fernández (República Dominicana) e Martín Torrijos (Panamá) viajaram a Caracas e se reunirão com o governo e com a oposição separadamente. O governo justifica o estado de exceção por um suposto complô dos EUA, de líderes opositores e da mídia para justificar a intervenção no país, sob o pretexto de uma crise humanitária. Na terça, em coletiva à imprensa internacional, Maduro afirmou que dois aviões americanos sobrevoaram a Venezuela, “com fins de espionagem”, em 11 e 13 de maio. E denunciou que, em quatro meses, foram publicadas 1.315 notícias em meios internacionais contra o país.

— (Os aviões) São utilizados pelos EUA para comunicações de grupos armados em zonas de guerra ou inutilizar equipes do governo ou das Forças Armadas. São aviões com capacidades letais — acusou. — Estou pronto para a luta. Não é tempo de traições, é tempo de lealdade. É tempo de construir nosso próprio sistema, não o que nos é imposto.

Capriles, por sua vez, conclamou a população a ignorar o estado de exceção e voltou a convocar uma manifestação, em frente ao CNE, exigindo a aceleração do processo para o referendo revocatório do mandato do presidente. Incisivo, pediu ainda que militares decidam se estão ou não do lado da legalidade.

— Quanto mais radical Maduro se colocar, mais acelerará sua saída do Palácio de Miraflores. Está chegando a hora de as Forças Armadas decidirem se estão com a Constituição ou com Maduro — desafiou. — Nós não queremos uma explosão social na Venezuela nem uma solução militar.


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