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Polarização nas ruas e nas urnas da América Latina

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BUENOS AIRES — O resultado da eleição presidencial peruana mostrou que o país, como outros do continente, vive uma marcada polarização política, fenômeno que segundo analistas da região ouvidos pelo GLOBO tem diferentes origens e consequências. O novo presidente do Peru, o ex-ministro da Economia Pedro Pablo Kuczynski, obteve uma vantagem de apenas 0,24 ponto em relação a sua adversária, Keiko Fujimori, claro reflexo de um país rachado em duas metades praticamente iguais, neste caso, separadas pelo sentimento pró e contra o fujimorismo. Em recente eleição regional no México, o governista Partido Revolucionário Institucional (PRI) foi derrotado em sete de 12 estados, e o revés levou o presidente Enrique Peña Nieto a manifestar sua preocupação por uma dinâmica política que se repete cada vez mais na América Latina.

— Concluída a eleição, é tempo de deixar para atrás a polarização, o confronto. É tempo do trabalho em união e a favor do nosso país — declarou o presidente do México, eleito em 2012.

Processos diferentes

Mas a polarização, na visão de analistas, parece longe de ser suavizada em países como México, Peru, Venezuela, Argentina, Brasil e Bolívia. Para Marta Lagos, diretora da Latinobarômetro, com sede em Santiago do Chile, “não se trata de um processo igual em todos os países, as razões que provocam a polarização são diferentes”.

— No Brasil, é a corrupção; na Venezuela, o autoritarismo. O que é similar em todos os países é a manifestação dessa polarização, nas urnas e nas ruas — disse Marta.

Existem alguns elementos, segundo ela, que propiciam o fenômeno político em expansão. Um deles é o fim da era “dos hiperpresidentes, que tinham, em média, entre 60% e 70% de respaldo popular”. A era mencionada pela diretora da Latinobarômetro coincidiu com o último período de bonança econômica em quase toda a região, que terminou entre 2008 e 2009.

— Hoje todos os presidentes latino-americanos têm menos de 50% de popularidade. Em alguns casos, não chegam a 30%. Mudou, de forma radical, a maneira como as pessoas veem os políticos e os governos, e isso deu impulso a protestos e, também, à polarização — explicou Marta.

Caso nem sempre ideológico

Um dos casos mais extremos de polarização é, sem dúvida, a Venezuela. Em abril de 2013, o presidente Nicolás Maduro derrotou Henrique Capriles por uma vantagem de 1,49 ponto percentual dos votos e em meio a denúncias de fraude. Desde então, analistas venezuelanos afirmam que Maduro perdeu apoio popular, principalmente pela dramática crise econômica que assola o país. Mas a polarização continua vigente e na opinião da professora Elsa Cardozo, da Universidade Central da Venezuela (UCV), “deve ser entendida como a negação do pluralismo”.

— O governo de Maduro já não representa uma maioria, mas continua tendo o controle dos recursos e a capacidade de gerar divergência e polarização desqualificando seus rivais. Na Venezuela, polarizar é negar a possibilidade do pluralismo, a existência de outras vozes — assegurou Elsa.

Para a professora da UCV, os personalismos, tão presentes no continente nos últimos dez anos, também favorecem cenários políticos polarizados.

— O fato de que tudo gire ao redor de uma só pessoa, a favor ou contra essa pessoa, divide as sociedades. São quase como dinastias — apontou Elsa.

Segundo ela, “num país onde existe personalismo e negação do pluralismo é quase como ter a fórmula perfeita para terminar em polarização”.

— Muitos dos governos que passaram pela América Latina na última década, PT no Brasil, os Kirchner na Argentina, o chavismo na Venezuela, Evo Morales na Bolívia… todos precisaram polarizar para fortalecer-se no poder — enfatizou a analista venezuelana.

Nas presidenciais de 2015, a Argentina acabou elegendo Mauricio Macri como novo presidente no segundo turno, com 51,1% dos votos, contra 48,66% do peronista e aliado do kirchnerismo Daniel Scioli. Como no Peru, foi uma eleição a favor e contra o kirchnerismo, que, diferentemente do fujimorismo, pretendia permanecer no poder.

A polarização, esclareceu Adrián Bonilla, secretário geral da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), nem sempre é ideológica. No caso peruano, disse ele, “o que dividiu os eleitores foi o desejo ou a rejeição em relação ao retorno do fujimorismo ao poder”.

Racha nos partidos

O secretário-geral da Flacso lembrou outros políticos latino-americanos que provocaram um racha na sociedade, entre eles o chileno Salvador Allende, presidente entre 1970 e 1973, quando foi vítima de um golpe de Estado comandado pelo general Augusto Pinochet.

— O que o continente nunca tinha visto era a presença deste fenômeno com tanta força, consistência e simultaneidade em tantos países — disse Bonilla.

Em fevereiro passado, o presidente da Bolívia, Evo Morales, foi derrotado num referendo sobre a reeleição indefinida, por 51,3% contra 48,7%. Morales pretende realizar uma nova consulta, argumentando que o revés sofrido este ano foi culpa “das mentiras da mídia e da oposição”.

Para Marta, “a polarização não é outra coisa que a ausência de propostas claras dos políticos e dos candidatos. As campanhas se transformam em preto ou branco, já não são campanhas ideológicas”.

— Não estamos vendo uma polarização como a que existia entre Che Guevara e a direita. Hoje é entre duas pessoas, ou entre uma pessoa e seus opositores, sem debates profundos — comentou a diretora da Latinobarômetro.

Este cenário repetitivo no continente também existe, assegurou Marta, “pela crise dos sistemas de partidos”.

— A política hoje se reduz aos candidatos, e com eles é sempre A ou B. Isso é consequência da desvalorização dos partidos políticos — concluiu a analista chilena.


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