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‘Não esperaremos até que haja um governo disposto a negociar’

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RIO — Em visita ao Brasil, onde participou do painel “Autonomia para proteger a diversidade cultural”, o secretário geral de Assuntos Exteriores da Catalunha e secretário geral da Aliança Livre Européia (ALE), Jordi Solé, falou ao GLOBO sobre o movimento que luta pela independência da Catalunha e comentou o futuro da região em um cenário dominado pelo impasse político na formação do novo governo espanhol

Quais as expectativas do Movimento de Independência da Catalunha frente à possibilidade de formação de um novo governo?

Tudo indica que teremos novas eleições em junho e essa situação de impasse no governo espanhol não nos interessa. Queremos ter um interlocutor em Madri e um governo com quem possamos dialogar, o que é normal numa democracia. Isso é o que tem nos faltado nos últimos anos. Há uma demanda popular e civil na Catalunha que tem raízes políticas, e que não é discutida do ponto de vista político pelo governo do Partido Popular que abriu mão de fazer política e enviou a questão ao poder judicial e ao Tribunal Constitucional para tentar impedir que o processo democrático de independência na Catalunha avance usando mecanismos legais. Mas esse não é um problema jurídico ou legal, é uma questão política que tem que ser solucionada através dos mecanismos da democracia e da política. Queremos nos sentar e negociar um referendo de independência, como foi feito na Escócia, mas não esperaremos para sempre até que haja um governo disposto a negociar os termos de um referendo. Se não há essa vontade, temos uma comissão democrática do povo catalão e de seu Parlamento para avançar e tornar realidade a independência catalã.

Apesar do grande número de partidos dedicados à causa da independência, os dois maiores partidos do país (PP e PSOE) ainda demonstram uma grande resistência em relação ao tema.
Que mecanismos o movimento tem para encontrar espaço político nesse cenário?

Nas últimas eleições em dezembro, o espaço político favorável ao referendo encontrou o apoio do Podemos e de outras legendas, entre eles, partidos nacionalistas catalães e de outras regiões espanholas. No Parlamento catalão há quase cem deputados que estão favoráveis à ideia do referendo, ainda que muitos deles possam não ser necessariamente favoráveis à independência. Até dois anos atrás, essa representação não existia, mas enquanto isso, os dois principais partidos que, apesar de terem seu poder diminuído, seguem sendo os maiores do país, não querem nem ao menos discutir o tema, e a menos que esses partidos mudem, continuará sendo muito difícil encontrar espaços de negociação.

Nos últimos anos vimos manifestações que levaram milhões de pessoas às ruas na Catalunha. No entanto, de acordo com pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos de Opinião, o apoio à independência caiu entre 2013 e 2015. Por que houve essa queda, e que momento vive o Movimento pela Independência?

Bem, primeiramente, a melhor pesquisa de todas é o referendo. É permitir que as pessoas votem. O resto são hipóteses e especulações. O que é realidade é que o Parlamento da Catalunha, pela primeira vez tem uma maioria de deputados favoráveis à independência, algo que nunca tinha acontecida. E isso é decorrente das eleições de setembro que, embora fossem eleições legislativas eram, na verdade, um plebiscito no qual se votou pela independência, e o “sim” à independência venceu. Isso é uma realidade, e não algo subjetivo. Um de nossos objetivos agora que temos a maioria parlamentar é ampliar a base social do apoio à independência nesse curto mandato. Não temos a sensação de que o apoio à independência se reduziu, pelo contrário.

Como outras regiões que falam catalão, como a Catalunha francesa e a região valenciana podem influenciar ou ser influenciadas pelo movimento de independência?

Esse movimento está restrito ao que é a região autônoma da Catalunha e segue o mandato do Parlamento catalão. Prefiro não especular sobre os efeitos que o movimento possa ter em outros territórios, sejam eles de língua catalã ou não.

Hoje a Catalunha goza de grande autonomia dentro do Estado espanhol e é uma das regiões mais prósperas do país. O que ainda motiva a luta pela independência catalã?

Duas coisas. A primeira é que temos o direito, como qualquer nação, de decidir nosso futuro, e acreditar que um futuro melhor passa pela independência. A segunda é o fato dela ser uma necessidade. No momento, mesmo com autonomia, não temos as ferramentas necessárias para melhorar as condições de vida dos cidadãos catalães. E estamos convencidos de que com a independência as teremos. Na situação atual, o potencial social, cultural e econômico da Catalunha está limitado e queremos superar essas limitações, sempre dentro dos instrumentos democráticos, sempre de maneira pacífica. Essa não é uma invenção dos partidos políticos, mas sim uma demanda popular.

Como a Catalunha se encaixaria no atual momento da União Europeia, que passa por momentos de instabilidade?

A Catalunha é um Estado absolutamente viável, seja do ponto vista político, cultural, econômico ou social. Temos uma economia relativamente potente no Sul da Europa, com um sociedade muito diversa, mas muito coesa, com uma personalidade diferenciada do ponto de vista histórico, linguístico e cultural. Queremos levar à Europa e ao mundo nossa maneira de ver e fazer as coisas. Seremos um bom sócio de nossos amigos dentro e fora da União Europeia. Nossa capital tem muito prestígio internacional e temos um modelo de integração da diversidade muito bem sucedido. Nossa mensagem para a comunidade internacional é que nosso movimento é absolutamente democrático e legítimo, e que na Catalunha, a União Europeia e o mundo têm um bem importante, não por seu tamanho e sua população, mas pelo que podemos trazer como um país produtivo, criativo, integrador e inovador. Desde o princípio nos vemos como parte da União Europeia. A Espanha entrou na UE em 1986, portanto nós catalães já somos parte da UE há 30 anos. Esse não é um país que chega de fora das fronteiras. A Catalunha já faz parte da UE e é um país de orientação europeia. Se a UE pode funcionar com 28 estados, também pode funcionar com 29.

Que medidas foram tomadas para preservar e estimular o uso do catalão e da cultura regional?

Para a sobrevivência da cultura catalã, de sua personalidade, e mesmo do próprio idioma foi importante fazer do catalão uma língua regularizada e oficial dentro da Catalunha. No ranking das línguas mais faladas na Europa, o catalão seria a décima, então não é uma língua irrelevante. Isso foi algo único. Uma língua que durante muitos séculos não teve poder político e foi perseguida, é hoje uma língua viva e forte, algo singular na História. Mesmo sob regimes opressivos e ditaduras, houve gente que se arriscou e lutou para manter o idioma vivo. Com a volta da democracia, as políticas para promover o idioma e usá-lo como ferramenta de integração da sociedade foram muito poderosas e foram desde sempre uma prioridade. Somos uma sociedade diversa que fala muitas línguas, mas o catalão é visto como um ponto de encontro, graças a políticas ativas nas escolas e nos meios de comunicação. Isso permitiu a recuperação do idioma e sua transmissão às novas gerações de maneira bastante suave. Mas esse não é o único fator que nos leva a querer a independência. Há um fator democrático muito claro. Quando há 80% de apoio a um referendo e a resposta dos principais partidos é barrar a votação e levar representantes do governo catalão aos tribunais temos um problema de valores democráticos muito claro, independentemente do idioma falado. Há um fator econômico também. Boa parte dos recursos gerados na Catalunha vai para Madri e não retorna. Somos a favor da solidariedade, mas deve haver um equilíbrio, pois no sistema de transferências fiscais da Espanha, saímos perdendo.

Ao longo dos anos, a luta pela independência da Catalunha passou por diversas transformações, assim como a autonomia da região aumentou progressivamente. O sr. acredita que chegamos a um ponto em que não é mais possível retroceder? A independência é o único passo possível?

O ponto decisivo foi em 2010, quando uma sentença do Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais alguns artigos do Estatuto da Catalunha aprovado em 2006 pelo Parlamento da região, aprovado nos tribunais espanhois e aprovado em um referendo pelo povo catalão. O estatuto era uma oferta ao Estado espanhol para melhorar o reconhecimento da região como parte da Espanha e essa oferta que foi amplamente votada e aceita, tanto na Catalunha quanto em Madri foi quatro anos mais tarde ignorada por alguns senhores em um tribunal, que decidiram que a Catalunha não poderia ser reconhecida como uma nação. Foi ali que muitas pessoas que ainda acreditavam que era possível encontrar um espaço de maior reconhecimento dentro da Espanha percebem que isso não é mais possível e que tudo já foi tentado. Muitos então concluem que a melhor solução é seguir um caminho próprio. Foi um processo gradual, no qual a principal coalizão catalã, o Convergencia i Unió se separa, e o Convergencia se converte ao independentismo, enquanto o Unió praticamente desaparece da política. Desde 2012, a cada 11 de setembro, dia nacional da Catalunha, passamos a ter mais e mais pessoas nas ruas pedindo a independência e comprovando que há uma demanda social e democrática muito importante.


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