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Jornalistas espanhóis passaram dez meses em seis cativeiros na Síria

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MADRI — Foram quase dez meses de cativeiro nos arredores de Aleppo, na Síria, quase todo o tempo em ambientes fechados, com direito a poucas caminhadas por um pátio ao ar livre. Apesar da clausura e do medo, os três jornalistas espanhóis — Antonio Pampliega, José Manuel López e Angel Sastre — feitos reféns pela Frente al-Nusra, na Síria, revelaram no domingo, já em Madri, terem sido tratados “dentro do limite razoável” pelos sequestradores do grupo, um braço da al-Qaeda no país. Chegaram, inclusive, a ter permissão para assistir a jogos de futebol ou enviar cartas para a família. Para passar o tempo, faziam exercícios.

Eles passaram por seis cativeiros distintos, sempre perto de Aleppo, segundo fontes do Centro Nacional de Inteligência (CNI), que contaram ainda que os três receberam um tratamento melhor do que os outros jornalistas espanhóis sequestrados entre 2013 e 2014 pelo Estado Islâmico. Em uma curta entrevista à agência de notícias EFE, ontem, eles disseram se sentir “sobrecarregados” pela situação e, por isso, preferiram não convocar uma coletiva de imprensa para explicar como passaram os últimos meses.

Mas revelaram pequenos detalhes do cativeiro: durante os três primeiros meses, foram mantidos juntos, em uma casa nos arredores de Aleppo; depois, Pampliega foi separado dos compatriotas e não voltou a vê-los ou ter notícias deles até a libertação, no último sábado. Também dividiram parte do tempo com uma alemã grávida e outro jornalista, o japonês Jumpei Yasuda, capturado na mesma época — em março deste ano, ele apareceu em um vídeo pedindo ajuda ao governo de seu país. Segundo informações, eles comiam a mesma comida que os sequestradores, que sempre apareciam encapuzados — com exceção de um imã que tentou convertê-los.

Os três jornalistas independentes desapareceram em julho de 2015, dois dias depois de cruzarem para a Síria, a partir de Hatay, na Turquia. Haviam acabado de chegar na cidade de Aleppo, no Norte, para cobrir a guerra na região controlada por vários grupos rebeldes. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), foram vistos pela última vez em 13 de julho, no bairro de Maadi, onde foram sequestrados por um grupo de homens quando viajavam a bordo de uma caminhonete.

QUINZE QUILOS A MENOS

No domingo, Alejandra, irmã de Pampliega, se lançou sobre o repórter quando ele desceu do avião, sorrindo e em bom estado, segundo imagens divulgadas pelo governo. Em pé, debaixo de uma forte chuva na pista da Base Militar de Torrejon de Ardoz, estava a vice-presidente do governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría, que pôde conversar com os jornalistas quando eles ainda estavam em território turco, pouco depois da libertação. Eles também falaram por telefone com o rei Felipe VI, que lhes mostrou sua “alegria pela libertação”. “Bem-vindos!”, publicou no Twitter o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy.

— Quando conversei com ele por telefone foi maravilhoso. Tinha a mesma voz de sempre, de quando era criança. Ele ficou me pedindo perdão pelo que me fez passar — declarou emocionada a mãe de Pampliega, María del Mar Rodríguez Vega, à ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF). — Vou preparar espinafre com molho bechamel, seu prato favorito.

O processo de libertação durou mais de três horas na fronteira com a Turquia, a 50 quilômetros de Aleppo. De um lado, na Síria, os sequestradores com seus reféns; do outro, militares turcos, funcionários do CNI e do Ministério de Relações Exteriores espanhol. Após confirmar, por celular, a identidade dos jornalistas, eles cruzaram a fronteira, um de cada vez, escoltados por soldados, sob forte chuva.

Em nota, o governo espanhol informou que “a libertação foi possível graças ao trabalho de muitos funcionários públicos e à colaboração de países aliados e amigos, em especial na fase final da Turquia e do Qatar”.

Segundo fontes de Inteligência espanhola, durante todo o tempo o governo sabia onde estavam, apesar das mudanças constantes de cativeiro. Quando os serviços secretos não conseguiam comprovar o estado de saúde dos espanhóis, pediam garantias de que os reféns estavam vivos — perguntas formuladas familiares, ou vídeos em que diziam a data da gravação.

Nos primeiros meses, quando ainda estavam juntos, havia um enorme temor de que os jornalistas fossem mortos ou vendidos para o Estado Islâmico. No começo do ano, Sastre e López foram levados a zona perto da fronteira, controlada pela al-Nusra, época em que a libertação parecia próxima.

Imersa em uma violenta guerra civil desde 2011, a Síria é o país mais perigoso do mundo para jornalistas, segundo a RSF, que contabiliza dezenas de repórteres e fotógrafos mortos. Mas os três tinham experiência em zonas de conflito. Sastre, de 35 anos, colaborava com veículos como o canal Cuatro e o jornal “La Razón”. Viajou para várias áreas perigosas no Oriente Médio e na América Latina — onde fez reportagens nas prisões de El Salvador e em rotas de migração entre o México e os Estados Unidos. Pampliega, de 33 anos, trabalhou em Iraque, Líbano, Paquistão, Egito, Afeganistão, Haiti, Síria e Sudão do Sul. Durante este tempo, foi colaborador do “El País”, além de ser autor do blog “Um mundo em guerra”, onde relata seu trabalho em conflitos desde 2010. López, o mais velho dos três, com 45 anos, cobriu como fotojornalista a situação em Afeganistão, Iraque e Haiti. Muito premiado, acabara de receber o Px3 Prix de fotografia, em Paris, que o levou a viajar por mais de 60 países e publicar em jornais como o “L’Espresso” e o “Le Monde”.

Ao ser libertado, López fez questão de destacar que os três ganhavam “salários precários”. Com 15 quilos a menos, afirmou estar “animado e contente” pelo reencontro com amigos e familiares e com vontade de “recuperar o tempo perdido”, segundo um porta-voz da família.

— Enfim chegamos ao fim que esperávamos há quase um ano: nos sentimos felizes e aliviados — afirmou a presidente da RSF na Espanha, Malén Aznárez.


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