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Frank Underwood oriental

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PEQUIM — Escândalos de corrupção sempre rendem enredos apimentados para séries de televisão que prendem a atenção do espectador até o último minuto, o que dirá na China, onde o tema não é tratado neste formato há uma década. É exatamente nisto que o governo estava apostando quando autorizou a produção de “Em nome do povo”. A produção que custou quase R$ 64 milhões, encomendada pela administração da capital, promete cenas baseadas em fatos reais e presta homenagem ao empenho do governo no combate à corrupção, um dos carros-chefe do presidente Xi Jinping desde que assumiu o comando do país em 2012. Esta seria a explicação para a sua liberação.

Trata-se de uma espécie de “House of Cards” — a série da Netflix que fez tanto sucesso mundo afora — com características chinesas. Diz-se que, para garantir o realismo, a produção terá acesso inédito a uma prisão de alta segurança no Sudeste da China. O novo seriado também relaciona pela primeira vez a corrupção aos mais altos escalões da política, o que pode parecer uma contradição para um governo que se quer acima do bem e do mal. Mas a ideia é justamente mostrar que a campanha não deve poupar ninguém e será realizada custe o que custar.

Em vez de Kevin Spacey no papel de Frank Underwood, a trama tem Lu Yi, um dos galãs da TV chinesa, interpretando o detetive do governo Hou Lianping, que viaja para a província fictícia de Bianxi para investigar um assassinato. Ele está acompanhado da mulher, a agente disfarçada da Comissão Central para Inspeção e Disciplina (em tradução livre), temida agência anticorrupção chinesa, para desvendar os negócios escusos em Bianxi. A história termina com o julgamento de várias autoridades acusadas de corrupção, exatamente como vem fazendo o governo.

Os produtores da série, do centro de filmes e televisão vinculado à Procuradoria Suprema do Povo, órgão controlado pelo partido comunista, evitam maiores detalhes sobre a produção. Ao GLOBO, disseram que ainda é cedo para avaliar o interesse dos telespectadores, embora as redes sociais já indiquem um certo frenesi. Eles admitiram a importância de mostrar o que está acontecendo no combate à corrupção.

Em entrevista ao jornal “Diário da Juventude” de Pequim, o diretor Fan Ziwen afirmou que as autoridades aprovaram o programa por acreditar que ele daria destaque aos esforços de erradicação do crime mais do que simplesmente mostrar como o sistema teria se tornado frágil.

A série americana protagonizada pelo vilão Frank Underwood não pode ser assistida pelo cidadão comum na China, onde não há Netflix. Mesmo assim, é um sucesso entre quem consegue driblar as barreiras informáticas. Já a chinesa estará disponível para todos. A temporada de 42 episódios acabou de ser filmada esta semana e deve ser transmitida até o final do ano.

Há duas semanas, a campanha anticorrupção levou mais um antigo funcionário do alto escalão do Partido Comunista à lista negra. Ling Jihua, uma espécie de ex-ministro-chefe da Casa Civil de Hu Jintao, foi acusado de receber propinas, obter segredos de Estado ilegalmente e abuso de poder. O indiciamento ocorreu em Tianjin, no sudeste da capital. O governo chinês faz questão de alardear casos como este e mostrar que as investigações vão até o fim, estratégia que parece agradar.

— Algumas coisas pioraram. Os salários não são altos. Mas este governo está trabalhando para pôr quem ganha mais do que deve na cadeia. E eles estão indo mesmo — disse a costureira Su Zhang, de 52 anos.

A propaganda é usada de maneira recorrente para dar satisfação à população. Não se trata de coincidência o fato de a China estar prestes a ganhar a sua versão de “House of Cards” made in China. Entre especialistas, há quem acredite nos esforços, mas há também quem diga que seria uma ação populista. O fato é que, desde que assumiu o poder em 2012, o presidente aumentou a campanha contra a corrupção, que levou milhares a serem investigados, indiciados ou presos.


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