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Esquerda contra esquerda: protestos de setores próximos põem Hollande em xeque

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PARIS – Cerca de meio milhão de estudantes, segundo estimativas dos organizadores, participaram de mais de 250 protestos em toda a França, ontem, contra a reforma trabalhista elaborada pelo Gabinete do presidente do país, François Hollande. Sindicalistas e ferroviários, que reclamam aumentos salariais, engrossaram o coro dos descontentes. A saída às ruas deixa o Executivo do Partido Socialista numa sinuca de bico, já que boa parte das lideranças nos protestos é ligada à legenda, demonstrando a insatisfação mesmo dos setores mais próximos ao governo com as políticas adotadas, faltando pouco mais de um ano para as eleições presidenciais.

Em Paris, onde houve a maior manifestação, com cerca de cem mil pessoas, estudantes bloquearam as entradas de dezenas de liceus, com barricadas feitas com enormes lixeiras públicas e outros mobiliários urbanos. Depois, saíram em passeata rumo à Praça da República, tradicional palco de manifestações. “Um retrocesso”, “Uma reforma que não é social, nem socialista”, “Os jovens estão oprimidos”, “Uma lei perigosa”, “Hollande mente” e “O pior ataque aos trabalhadores” eram algumas das frases lidas em centenas de cartazes e faixas.

A polêmica reforma inclui medidas que concederiam mais flexibilidade às empresas para contratar e demitir os trabalhadores, em uma tentativa de reduzir a taxa de desemprego, que ronda os 10% — o dobro do registrado na Alemanha — e que afeta principalmente os jovens: 24% deles estão sem trabalho. Além disso, prevê a possibilidade de aumentar o limite de 35 horas de trabalho semanais, considerado um item sagrado e intocável para franceses, bem como a redução das indenizações por demissões. Uma petição online, chamada “Loi Travail; non, merci” (“Lei Trabalhista; não, obrigado”), contra o projeto de lei El Khomri, que leva o nome da ministra de Trabalho, Myriam El Khomri, já reuniu mais de 1,2 milhão de assinaturas. Uma pesquisa de opinião revelou que sete em cada dez pessoas se opõem à reforma.

Ao mesmo tempo que o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, vem defendendo o projeto, afirmando inclusive que “os jovens serão os mais beneficiados”, na véspera dos protestos, o presidente François Hollande se dirigiu à mesma faixa etária, afirmando que a perspectiva é que a reforma dê “mais estabilidade trabalhista”.

— Também devemos dar aos empregadores a oportunidade de contratar mais, oferecer segurança trabalhista aos jovens ao longo de suas vidas e dar flexibilidade às empresas — discursou o presidente.

Se Hollande via nesta reforma uma última tentativa de assegurar seu lugar na História, ontem, diante dos maiores protestos com ele à frente da Presidência, mudou o tom:

— É necessário escutar as reivindicações dos sindicatos, estar aberto ao diálogo — afirmou, diante do Conselho de Ministros.

A polêmica gerada pela reforma é mais um golpe para Hollande e Valls, que foram acusados por membros do próprio partido de serem muito favoráveis às empresas e de terem dado uma guinada à direita. A 14 meses das eleições presidenciais, nas quais Hollande pode se candidatar a um segundo mandato, a popularidade dele desabou para 15% de aprovação, enquanto o premier está em 20%. Com o projeto, Hollande joga com a própria chance de reeleição, já que declarou que não concorrerá em 2017 — a menos que reduza o desemprego.

Os partidários da reforma estimam que, para reativar a economia do país, é fundamental criar postos de trabalho e manter a competitividade. O ministro da Economia, Emmanuel Macron, afirmou que o desemprego não cai abaixo de 7% há 30 anos.

— Tentamos de tudo? Vamos ver fora da França. O que aconteceu em outros lugares? Todos evoluíram, todos fizeram coisas — ressaltou Macron.

O jornal “Le Parisien” se referiu a reformas similares em Espanha, Itália e Reino Unido e disse em editorial que o código trabalhista da França “não está adaptado a nossa época”: “Negar a necessidade da reforma é negar que o mundo que nos cerca está em movimento, que nosso sistema social está nas últimas e que o desemprego não retrocede.”

As empresas francesas afirmam que são reticentes em contratar empregados permanentes devido aos obstáculos que as impedem de demiti-los em tempos de vacas magras. Os jovens saem das universidades e terminam trabalhando com contratos temporários durante anos ou fazendo estágios com a esperança de conseguir um trabalho permanente.

Sarkozy usa reforma para atacar presidente

Os organizadores das manifestações, habitualmente próximos ao Partido Socialista, temem que a atual precarização trabalhista que sofrem os jovens por conta da crise que ainda paira sobre a França — e a Europa de modo geral — vai se perpetuar caso a reforma seja levada adiante. Com isso, as três principais entidades estudantis francesas já preparam centenas de assembleias em institutos de educação e universidades, para promover novas manifestações. Por sua vez, sindicatos advertiram que os protestos de ontem foram apenas os primeiros de muitos: para o dia 31, preparam uma greve geral.

Ontem, participaram dos protestos proeminentes socialistas céticos com o governo, especialmente com o premier Valls e o ministro Macron, acusados de impulsionar o “desvio liberal” do Executivo. Como Christian Paul, líder da corrente crítica dentro do Partido Socialista, e Pouria Amirshahi, deputado socialista rebelde que na semana passada anunciou que vai deixar o partido. Benjamin Lucas, presidente do Movimento de Jovens Socialistas, enfatizou que a reforma provoca “uma fratura na esquerda”. O projeto de lei deu munição até mesmo para o principal líder da oposição, o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que almeja a volta ao Executivo em 2017:

— São os eleitores decepcionados de Hollande que saíram às ruas — afirmou.


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