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Conservadores vivem tragédia shakespeariana com saída de líder do Brexit

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LONDRES – A disputa no Partido Conservador pelo nome que irá suceder a David Cameron na cadeira de primeiro-ministro britânico sofreu ontem uma inesperada reviravolta — de tons shakespearianos — com o anúncio de última hora da candidatura do ministro da Justiça, Michael Gove, o que acabou abatendo o favorito Boris Johnson antes mesmo que este alçasse voo. Desde a divulgação da saída de Cameron, Gove vinha negando repetidamente a intenção de buscar a liderança do partido, e era cotado para chefiar a esperada campanha do ex-prefeito de Londres ao cargo. Abandonado por uma grande quantidade de correligionários e sentindo-se traído, Johnson acabou por anunciar que não participará da disputa.

— Este não é o momento de lutar contra a maré da História, mas de aproveitá-la e navegar rumo ao destino — afirmou, em referência a uma fala do filho adotivo e assassino Brutus na peça “Júlio César”, de William Shakespeare.

Em seguida, descartou liderar o Reino Unido no período pós-Cameron.

— Após consultar colegas, e considerando as circunstâncias, concluí que não posso ser a pessoa a fazer isso.

Referências shakespearianas também surgiram num debate no qual o ex-ministro-chefe da Escócia Alex Salmond comparou Gove a Macbeth, o protagonista regicida da peça homônima.

— O que o faz pensar que o punhal do Lorde Macbeth da Câmara não se voltará contra você e Theresa May (a ministra do Interior)? — perguntou Salmond ao líder da Câmara dos Comuns, Chris Grayling.

Questionado sobre a reviravolta na disputa, o pai de Johnson, Stanley, também recorreu às palavras do famoso bardo:

— Até tu, Brutus? — perguntou Stanley.

Suspeitas de premeditação

Até a manhã de ontem, o ex-prefeito estava certo de que teria Gove ao seu lado e se preparava para lançar sua candidatura num hotel de Londres quando recebeu a notícia: o ministro anunciara durante a madrugada que participaria da disputa, em comunicado que incluiu comentários pouco elogiosos a Johnson.

“Em repetidas ocasiões, afirmei que não queria ser primeiro-ministro, e essa sempre foi minha ideia. Respeito e admiro os candidatos que disputam a liderança do partido e, particularmente, queria construir uma equipe para apoiar Boris Johnson, para que um defensor da saída da UE pudesse nos comandar rumo a um futuro melhor”, afirmou Gove. “Mas, com muita relutância, cheguei à conclusão de que Boris é incapaz de garantir a liderança ou formar uma equipe para esse desafio”.

Embora o ex-prefeito tenha sido apanhado de surpresa pelo anúncio de Gove, um e-mail enviado pela mulher do ministro, a jornalista Sarah Vine, e divulgado pela imprensa britânica na quarta-feira, indicava que nem tudo corria bem na relação entre os dois, amigos há 30 anos.

“Você deve obter garantias específicas de Boris, caso contrário não pode confirmar seu apoio. Sem isso você não terá poder de negociação”, afirma Sarah na mensagem, destacando que o magnata da mídia Rupert Murdoch não vê o ex-prefeito com bons olhos, mas poderia apoiar uma chapa formada por Johnson e Gove. “Não faça qualquer concessão”.

Segundo o “Daily Mirror”, a mensagem, originalmente destinada a Gove, foi enviada por engano a outra pessoa, que revelou seu conteúdo à imprensa.

Essa não é a primeira vez que o ministro da Justiça assume posições que surpreendem seus supostos aliados. Meses atrás, a decisão de Gove de apoiar a saída da UE foi vista por muitos no país como uma traição a seus mais antigos amigos políticos — Cameron e o ministro da Economia, George Osborne.

Gove afirma que sua candidatura foi fruto de uma decisão de última hora, motivada por pressões de apoiadores de Johnson que, segundo ele, teriam lhe suplicado a postular o cargo. Entretanto, nomes ligados ao ex-prefeito levantaram a suspeita de que a manobra do ministro tenha sido preparada com antecedência.

“Há um poço profundo reservado no inferno para pessoas como Gove”, afirmou, no Twitter, o parlamentar conservador Jake Berry. O diário “The Sun” citou um amigo de Johnson que teria classificado Gove como “um escroque que planejou isso tudo desde o início”.

Já fontes próximas ao ministro afirmam que Gove foi procurado por colegas de partido e convencido de que seria uma melhor opção para o cargo de premier. O ministro, por sua vez, teria se reunido com cerca de 15 membros da bancada conservadora, persuadindo-os a abandonar uma possível campanha de Johnson.

May promete não antecipar eleições

Alheia ao imbróglio envolvendo seus colegas de partido, May prometeu que, caso conquiste o cargo de primeira-ministra, não fará tentativas de permanecer na UE, descartando a possibilidade de um novo referendo, e não antecipará as eleições gerais agendadas para 2020.

— Também não haverá qualquer aplicação do Artigo 50 (que regula a secessão de Estados da UE) até que a estratégia de negociação esteja clara e confirmada, o que significa que ele não será aplicado até o fim deste ano.

Uma semana após a vitória do Brexit, a polícia britânica revelou que denúncias de crimes de ódio aumentaram em mais de 500% no país desde o referendo.


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