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Cidade chinesa renasce na antiga rota das caravanas

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Shaxi, China – A mulher caminhava pela loja na praça do vilarejo, contando aos seus clientes como havia chegado até lá, vendendo espadas de madeira e sandálias de feltro para os turistas, ao invés de cuidar da roça.

He Yuqing, de 60 anos, vestia uma túnica azul com avental, vestimenta comum entre as idosas da etnia bai, do vale verdejante no sopé do Himalaia. Na praça central, a luz da tarde iluminava os paralelepípedos por onde antigas caravanas atravessavam com seus cavalos.

Ela conta que aluga sua loja há oito anos do governo local. Se uma equipe internacional de arquitetos não tivesse restaurado as velhas casas de madeira da praça central, contou, ela estaria pegando na enxada nas plantações de milho, frutas e grãos.

“Antes da restauração, não era tão bonito. Eles fizeram um ótimo trabalho.”

Em um projeto pouco conhecido fora da China, uma equipe de arquitetos da Suíça trabalhou durante anos para renovar a praça do vilarejo de Sideng. Nessa praça ficava o mercado central de Shaxi, um vale repleto de vilarejos bai, nas Montanhas de Hengduan, no sudoeste da China.

O projeto da reforma visava devolver ao mercado de Sideng a aparência e as obras de arte históricas, algo cada vez mais raro na China. Eles afirmam que o projeto poderia servir de modelo para a reforma de outras aldeias espalhadas pelo país. O trabalho foi elogiado pela UNESCO, a agência cultural das Nações Unidas.

Os edifícios restaurados incluem um templo budista centenário que havia sido transformado em uma repartição pública depois que os comunistas chegaram ao poder na China em 1949. Em frente ao templo há um teatro de quatro andares com beirais altíssimos, além de um terraço onde as orquestras da região se apresentam ao ar livre. Todo ano em junho, os habitantes do vale vão até a praça para realizar o Festival da Tocha, durante o qual ateiam fogo a um enorme tronco de pinheiro.

A praça do vilarejo agora é considerada uma das mais bonitas da China. Ela evoca os tempos em que as caravanas atravessavam o vale na antiga rota do chá. Essa parte da província de Yunnan fica a leste do platô tibetano, e os tibetanos costumavam trocar cavalos pelo chá, que era transportado ao longo do platô até chegar a Lhasa.

Ainda assim, Shaxi continua livre das multidões de turistas que enchem as ruas de Lijiang, que fica a poucas horas de carro ao norte, ou de Dali, duas horas ao sul. As duas cidades também reformaram as antigas praças centrais, mas as novas casas e fachadas foram feitas às pressas.

“Quando os chineses lideram o processo, eles só querem saber de atrair o máximo possível de pessoas para o lugar. Nada disso aconteceu por aqui, o que é ótimo”, afirmou Chris Barclay, americano que é dono de uma pousada boutique, a Old Theatre Inn, nos arredores da praça de Sideng.

Barclay e a esposa usaram as próprias economias para reformar o Templo das Pereiras, em agradecimento à fertilidade trazida pela deusa Guanyin. Sua esposa é tailandesa e budista e ficou grávida aos 45 anos de idade depois de rezar à deusa Guanyin durante uma visita; o primeiro filho do casal havia morrido alguns anos antes.

Barclay conta que também se sentiu inspirado pelo trabalho feito na praça central de Sideng.

O projeto começou com Jacques Feiner, um especialista suíço que havia trabalhado na preservação da antiga cidade de Sanaa, no Iêmen. Por volta do ano 2000, ele estava a procura de um projeto na Rota da Seda do Sul e se instalou no Vale de Shaxi porque a praça central de Sideng tinha o tamanho ideal, de acordo com Huang Yinwu, líder de equipe e arquiteto formado na Suíça.

A pedido de Feiner, o Fundo Mundial de Monumentos, com sede em Nova York, acrescentou o mercado à lista de 100 Monumentos em Maior Risco de 2002. O Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique, e o governo do Condado de Jianchuan criaram uma equipe de preservação.

Huang, nascido na província de Hubei, se juntou à essa equipe e foi a Shaxi em 2003. O grupo tinha uma vantagem na região: os carpinteiros da etnia bai estão entre os mais habilidosos de toda a China e recebem encomendas do país todo.

“Nesse processo, o principal objetivo era compreender as tradições, o conhecimento, o trabalho daqui. Queríamos ver até onde poderíamos chegar com o conhecimento local”, afirmou Huang.

A equipe restaurou as fachadas de madeira em torno do velho mercado, além de uma estalagem centenária onde ficavam as caravanas. Boa parte dos edifícios na praça tem apenas 100 anos porque vários foram reconstruídos muitas vezes ao longo da história – já que bandidos queimaram a cidade em inúmeros ataques no passado.

Quando o projeto foi iniciado, quase todas as construções estavam abandonadas. Em 2006, o comércio começou a ressurgir.

O Templo de Xingjiao demorou quatro anos para ser reformado. Uma enorme entidade azul e outra vermelha protegem a entrada principal. Os bais são fiéis a deuses locais e praticam o budismo esotérico.

“Construir o templo e o teatro de frente um para o outro é uma prática comum na região. As pessoas acreditam que o Buda deve se divertir com as apresentações ao lado do povo. Estou trabalhando em outro templo em Shaxi onde existe um palco na área principal do templo e as pessoas colocam uma divindade de madeira em frente ao palco”, afirmou Huang.

Ele se referiu ao templo de Chenghuang, parte da próxima fase de restaurações, de acordo com Huang: a criação de centros comunitários em Shaxi para ajudar os moradores a tirar proveito econômico do turismo.

Huang, que ainda vive em Shaxi mesmo após a partida de seus colegas suíços, afirmou que o primeiro centro comunitário será o do Templo de Chenghuang. Ele planeja criar centros com computadores onde os aldeões possam entrar na internet. Além disso, os turistas poderiam usá-los como ponto de partida de rotas de caminhada e de bicicleta, além de poderem se encontrar com as pessoas da cidade.

O vilarejo de Sideng está repleto de pousadas e cafés, que quase sempre pertencem a chineses de outras regiões.

O Shaxi Horse Pen 46 Youth Hostel fica próximo ao teatro central e foi aberto em 2010 por Huo Wanfei, de 36 anos, que se mudou para a província de Sichuan depois de fazer um mochilão pela região. Agora que a equipe suíça terminou a reforma da praça, os chineses são os principais responsáveis pela reforma dos outros prédios, quase sempre com o objetivo de servir aos turistas.

Huo conta que empregou carpinteiros da região e terminou a reforma depois de muita tentativa e erro.

“Isso me fez perceber que a natureza tem uma maneira de fazer as coisas acontecerem”, afirmou.

A evolução do vilarejo é similar ao que aconteceu em Lijiang. As pessoas que viviam na cidade estão alugando suas casas para pessoas de fora e se mudando para outros lugares. Por isso, quem vai a Sideng encontra cada vez mais chineses de outra região, e não os bai da região, como He.

“O mercado está levando Shaxi nessa direção. Isso não está no nosso controle. E é por isso que estou encabeçando esse novo projeto para incentivar a economia local”, afirmou Huang.


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