Brasília Amapá |
Manaus

Bairro violento de Toronto vira modelo de inclusão no Canadá

Compartilhe

TORONTO – Com o rosto emoldurado por um véu amarelo, Idil Hassan observava a filha brincar com outras crianças nas águas do Centro Aquático de Regent Park, uma joia arquitetônica feita de vidro, madeira e cloro no meio do maior conjunto habitacional do Canadá. O centro deu a Idil, enfermeira de 34 anos, a capacidade de fazer algo mais que apenas cuidar dos filhos: ela também pode aproveitar a piscina. Nas noites de sábado, telas automáticas cobrem as enormes paredes de vidro do centro para criar uma sessão onde apenas mulheres e meninas podem relaxar na água quente, dar braçadas na piscina ou descer no tobogã, um momento de tranquilidade que muitas das muçulmanas que vivem no bairro raramente podem se dar ao luxo de ter.

“Antes eu não vinha porque minha religião não permite que as mulheres sejam vistas descobertas pelos homens. É muito legal ter um dia para sermos nós mesmas. Eu até aprendi a nadar”, afirmou Idil, imigrante da Somália.

Até pouco tempo atrás, quando se falava em Regent Park, no centro de Toronto, as pessoas pensavam em baratas e gangues com muita droga e violência. Era uma mácula em uma cidade progressista que, por muitas décadas, recebeu de braços abertos os imigrantes fugidos da guerra, da fome e da pobreza, apenas para prendê-los em blocos isolados de velhos prédios de apartamento, onde a criminalidade e o desespero eram generalizados.

Lições difíceis foram aprendidas e, atualmente, um plano ambicioso de revitalização para o bairro de 28 hectares – com o centro aquático bem no meio, cercado de apartamentos luxuosos que ajudam a financiar a construção de novas casas com aluguel subsidiado e barato – está colocando em cheque velhas noções de classe, raça e religião em um momento em que as preocupações sobre desigualdade de renda e imigração são uma preocupação crescente no Ocidente.

À medida em que o Canadá abre as portas para 25 mil refugiados sírios, o novo Regent Park, repleto de imigrantes da África, Ásia e Caribe, serve de modelo para integrações sociais e econômicas bem sucedidas.

Para alguns sociólogos e urbanistas, ele também representa uma demonstração óbvia de como são limitados os esforços realizados por Nova York, Londres e outras cidades que foram incapazes de proteger a classe média e as classes trabalhadoras dos deslocamentos provocados pela gentrificação.

Mesmo enquanto Regent Park era transformado pela construção de prédios e casas luxuosas, os moradores sempre puderam retornar depois de ficar abrigados em moradias temporárias enquanto seus prédios eram demolidos para a construção de novas casas no bairro, a despeito da renda da família.

Não existe “entrada de serviço” em Regent Park. Ao invés de portarias separadas por nível de renda, os prédios subsidiados são bastante parecidos com os prédios do outro lado da rua, eliminando o estigma da pobreza. Um centro de recreação foi aberto na mesma rua de um novo centro de artes, ambos de uso gratuito.

“Queremos garantir que as pessoas não fiquem isoladas e que sua saúde mental seja forte. Isso se torna possível por meio da oferta de atividades que façam as pessoas saírem de seus apartamentos, para que todos sintam que fazem parte daquele espaço”, afirmou Pam McConnell, vice-prefeita de Toronto, que vive no bairro.

A participação comunitária é fundamental para a transformação bilionária de Regent Park. Desde o início, o município e a empreiteira levaram em conta as necessidades dos habitantes para realizar o projeto, garantindo que essas pessoas não fossem forçadas a sair do bairro, onde fosse possível comprar alimentos adaptados às exigências dos moradores muçulmanos, além de agendar aulas de natação e ioga exclusiva para as mulheres.

“A coisa não aconteceu da noite para o dia. Tivemos que lutar para que a reforma fosse acessível e inclusiva, mas agora ela se tornou um modelo de colaboração”, afirmou Sureya Ibrahim, imigrante etíope e ativista comunitária que é muçulmana e vive em Regent Park há 18 anos.

O centro aquático reflete a filosofia de inclusão do bairro. Após a sessão semanal dedicada às mulheres, as cortinas do centro aquático continuam baixadas para uma sessão bastante popular entre pessoas trans, que desejam nadar sem sentir que estão sendo observadas.

Fora da piscina, todos utilizam os vestiários mistos, onde há cubículos fechados para as pessoas se trocarem.

O projeto beneficia famílias como a de Assiatou Diallo. Mãe solteira de um menino de 9 anos com problemas de desenvolvimento, o vestiário misto permite que ela ajude o filho a se trocar antes da aula de natação, sem que ele se sinta constrangido.

“Agora podemos ir uma vez por semana e ele ficou muito mais confiante”, afirmou Assiatou, refugiada da Guiné.

Os novos espaços públicos como a piscina estão atraindo moradores de Toronto que jamais ousariam entrar em Regent Park há alguns anos. “É como se fosse o segredo mais bem guardado da cidade. Esse é um exemplo de revitalização comunitária feita da forma correta”, afirmou Lisa Qwirke, de 37 anos, consultora de pesquisa que geralmente vem de bonde do seu bairro para que o filho possa fazer aulas de natação.

Hawa Elmi, refugiada da Somália de 55 anos, mãe de 11 filhos, começou a participar recentemente das aulas de ioga para mulheres. “Minhas amigas muçulmanas me convidaram”, afirmou antes de entrar no estúdio espelhado durante uma hora de prática de diferentes posições de ioga. “Aqui não tem ninguém que fica julgando”.

Cerca de vinte mulheres de diversas religiões e etnias participam da aula, incluindo Raheema Majeed, de 49 anos. Nascida no Sri Lanka, ela carregava uma esteira azul em uma mochila e tinha todo o rosto – a não ser os olhos – coberto por um niqab preto. “A ioga relaxa minha mente e me ajuda com os problemas de respiração”, afirmou.

Do outro lado da sala, dois homens chineses levantavam pesos na academia enquanto, lá embaixo, adolescentes de véu treinavam lances de três pontos na quadra de basquete, mostrando desenvoltura.

Ainda assim, fantasmas do velho Regent Park continuam a assombrar o bairro, especialmente nos blocos de moradia popular que ainda não foram demolidos. Sally Beebee, de 58 anos, uma imigrante muçulmana do Sri Lanka, tem medo de usar as escadas do prédio onde mora, pois conta que é lá que os jovens vendem e usam drogas.

Os riscos são especialmente grades para os jovens de origem somali que vivem em Regent Park. Além dos perigos das drogas, que levaram à morte violenta de mais de 10 canadenses de origem somali na última década, as autoridades temem que muitos sejam atraídos ao extremismo islâmico, especialmente por parte de grupos como o Estado Islâmico e o al-Shabab, a vertente da Al-Qaeda na Somália.

Abdullahi Maolim, de 29 anos, voluntário ativo na mesquita do bairro, tenta ajudar os jovens a encontrar empregos e atividades produtivas para os que se envolvem com os grupos errados. Como refugiado somali que se mudou para Regent Park quando era criança, ele compreende o estigma e a alienação sentida por muitos jovens.

“Todo mundo quer ser o mais canadense possível. Você não quer que as pessoas saibam que você é imigrante, muçulmano, ou negro. O que eles não entendem é que para serem canadenses, basta que sejam eles mesmos.”


...........

Siga-nos no Google News Portal CM7