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Artigo: O novo nacionalismo veio para ficar

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É uma trágica ironia que a União Europeia — originalmente construída para acalmar os impulsos nacionalistas do século XX — esteja hoje por trás do ressurgimento de tais sentimentos em grande parte da Europa. O referendo que emitiu um voto para o Brexit é a mais recente e dramática indicação de que esse novo nacionalismo veio para ficar.

Tal nacionalismo foi construído em grande parte como reação à forma como a UE tem evoluído ao longo das últimas décadas. O que começou como um mercado comum cresceu para abraçar uma moeda única, o Espaço Schengen e a integração no domínio da Justiça e assuntos internos. Tudo isso diluiu aspectos centrais da soberania nacional: Estados têm menos controle sobre a política macroeconômica, fronteiras e pessoas.

A União Europeia tornou-se mais ampla ao incorporar a Europa Central e Oriental. A inclusão de 12 novos Estados-membros, com histórias, estruturas econômicas e tradições democráticas distintas tornou o processo de tomada de decisões ainda mais complicado. Ao mesmo tempo, essa situação fez a política da UE menos sensível à opinião pública. Essas transformações têm sido inquietantes para os eleitores em certos países — como o Reino Unido.

Mas o que temos testemunhado no Reino Unido é parte de uma mudança muito mais ampla nas atitudes públicas em relação à UE do que os analistas têm chamado de “consenso permissivo” para um “desacordo constrangedor”. No passado, os líderes europeus discretamente perseguiram a integração em áreas como a agricultura, e o público deu pouca atenção a isso. Mais recentemente, porém, os líderes têm procurado tomar decisões coletivas em áreas como comércio de serviços, sistemas bancários e asilo político. Mas eles têm que ter em mente que eleitores em casa são mais propensos a prestar mais atenção e a serem céticos.

Esse ceticismo fortalece a percepção de que a União Europeia é responsável pelo mal-estar sentido por muitos eleitores europeus. Isolamento econômico e reestruturação industrial, austeridade e privatizações, desemprego e insegurança no trabalho, medo da imigração. Tudo alimenta os sentimentos negativos que as pessoas têm sobre a UE.

O euroceticismo é encontrado nos extremos do espectro político. À esquerda, os eleitores e os partidos veem a UE como um enredo neoliberal. Ela existe apenas para servir às grandes empresas que fazem lobby em Bruxelas para uma legislação favorável. Para a direita, a UE é um gigante burocrático que impõe a regulamentação excessiva e ameaça as identidades nacionais antigas, incentivando a migração laboral. Quando esses dois pontos de vista se fundem, como acontece na base política do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), eles são fortemente tóxicos.

O Ukip é apenas um dos muitos partidos desse tipo. Retóricas e padrões de apoio político semelhantes colaboram para o sucesso de outras legendas também. A Frente Nacional na França, os Novos Democratas da Suécia e o Partido dos Finlandeses acompanharam de perto os eventos no Reino Unido.

Alguns têm mesmo clamado por seus próprios referendos, Frexit ou Swexit após Brexit. Outros adequam o seu euroceticismo para atender às idiossincrasias locais. Tome, por exemplo, as plataformas do Partido da Liberdade da Holanda, virulentamente anti-islâmico, ou a ação violenta promovida pelo Aurora Dourada, da Grécia.

Mas, em todos os casos, o que temos assistido com a ascensão do euroceticismo é à explosão de uma forma robusta do nacionalismo populista. Ele vai durar porque mapeia e reforça a culpa de linhas sociais existentes.

Mais importante: ele depende da existência de divisões entre os vencedores e os perdedores da globalização no século XXI. Ele prospera sobre as diferentes experiências dos poliglotas viajados que trabalham em profissões altamente qualificadas e os mirrados indivíduos deixados para trás pelas transformações econômicas globais.

Se trabalham em empregos de baixa remuneração nas cidades portuárias de Essex ou reivindicam benefícios de desemprego em Lille, aqueles deixados para trás compartilham um sentimento comum de desespero e frustração que rende uma rejeição visceral de corpos estranhos.

Em certos países, como a Polônia e os nórdicos, divisões sociais e ideológicas também se transformam em geográficas. Moradores patrióticos da zona rural veem seus vizinhos metropolitanos — e seus valores liberais — com suspeita.

E, na ausência de uma alternativa socialista crível para protegê-los, muitos se voltaram para o instinto mais básico de solidariedade com a etnia nativa e dominante: o inglês, o francês, o alemão. Em todos os países, o que sustenta esse nacionalismo é o agrupamento de indivíduos com interesses econômicos de esquerda e valores conservadores que divergem tremendamente do padrão dominante.

Assim, quando estes sentimentos são agrupados por atores políticos empresariais, tais como o Ukip, ganha-se um sabor político que faz lembrar o nacionalismo do passado. Mantém uma visão da História do país que glorifica o controle democrático nacional e defende um retorno reacionário ao passado, não importem os custos econômicos.

É sinceramente anti-intelectual, oferece soluções fáceis para problemas complexos, prefere o que chama de “fala franca” a uma dicção bem articulada, e é totalmente sem remorso em seu desdém.

A principal diferença é que, em contraste com o passado, a democracia é agora o único jogo. Os sistemas em que esses partidos nacionalistas operam são (relativamente) estáveis e a rotatividade geracional deveria conduzir à predominância de valores liberais, sugerindo que existe um limite para o conjunto de apoio.

Contudo, mesmo que as instituições democráticas em si não estejam em questão, a democracia atualmente oferece o mecanismo pelo qual esses partidos nacionalistas podem contaminar as plataformas de outras legendas tradicionais. Eles podem exercer pressões competitivas durante as eleições locais, nacionais e europeias, obrigando os partidos maiores a mudarem suas promessas políticas, na tentativa de evitar a perda de eleitores.

Então, a menos que significativas reformas econômicas e sociais internas enfrentem as divisões agudas sobre as quais esse nacionalismo populista se apoia, isso persistirá num futuro próximo. E a menos que a UE possa gerir suas instituições com maior legitimidade democrática, isso vai continuar a incitar a ira populista. Os eleitores precisam ser capazes de se identificar com as pessoas que tomam decisões em seu nome.

O Reino Unido pode ser o primeiro país a sair da UE, mas pode não ser o último. O novo nacionalismo europeu está aqui para ficar.

Simon Toubeau é professor da Escola de Política e Relações Internacionais da Universidade de Nottingham. Este artigo foi originalmente publicado em “The Conversation” (http://theconversation.com)


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