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Artigo: A guerra dos EUA contra o Estado Islâmico é legal?

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Em maio de 2010, Nathan Michael Smith entrou para o Exército com o juramento de “apoiar e defender a Constituição dos EUA contra todos os inimigos, estrangeiros ou nacionais”. Cumpriu essa missão nos campos de batalha do Afeganistão e agora serve como capitão no Kuwait, no quartel-general da Operation Inherent Resolve (“Determinação Inerente”), a campanha que Obama iniciou contra o Estado Islâmico em 2014.

O presidente alega que as autorizações do Congresso de 2001 e 2002, para as guerras contra a Al-Qaeda e Saddam Hussein podem ser “esticadas” para cobrir a operação atual, mas muitos especialistas questionam sua demonstração unilateral de poder. Smith se viu cada vez mais preocupado ao constatar que o líder não conseguiu convencer nem o Congresso, nem o Senado a defenderem a causa. Será que sua participação nessa guerra não declarada o coloca com missão de destruir, em vez de “defender” a Constituição?

O capitão Smith, de 28 anos, entrou na justiça, pedindo um julgamento independente para saber se está traindo o juramento que fez. Ele não tomou essa decisão sem pensar, até porque vem de uma longa linhagem de oficiais. Seu pai, sua mãe e sua irmã serviram com distinção; seu avô participou de trinta missões como piloto de caça na Segunda Guerra Mundial. Smith continua a acreditar que o Exército norte-americano é uma força para o bem, mas começou a achar que não seria bem assim se começasse a se envolver em guerras sem a aprovação do Congresso e do povo.

Aí entra a internet. Em agosto, publiquei um artigo no “The Atlantic” explicando que, durante a Guerra do Vietnã, soldados passaram por situação semelhante: dois tribunais federais de apelação validaram o mérito de seu questionamento sobre a legalidade da guerra. O conflito terminou antes que a questão fosse resolvida decisivamente na Suprema Corte, mas eu aleguei que as ações serviriam de precedente para um processo nos dias de hoje.

Vários meses se passaram antes que meu artigo chegasse à tela de Smith, mas, nesse meio tempo, ele já refletia sobre outro precedente legal, de uma época mais distante: em 1802, a Suprema Corte, liderada pelo juiz John Marshall, confrontou, pela primeira vez, o dever de um oficial militar de desobedecer a ordens ilegais de seu comandante-chefe (o Presidente da República). A resposta foi a seguinte: “O comandante de um navio de guerra dos EUA, ao obedecer às instruções do presidente do país, age consciente dos riscos. Se tais instruções não seguirem estritamente a lei, ele pode responder pelos danos a qualquer pessoa prejudicada por sua execução”.

Enquanto Smith pensava sobre essa decisão, a princípio achou que haveria só um caminho a seguir: como oficial dedicado à Constituição, tinha a obrigação primordial de desobedecer às ordens decorrentes da operação Inherent Resolve, apesar da ameaça da detenção iminente e da grave punição que sofreria se sua interpretação da lei acabasse sendo rejeitada pelos tribunais militares e civis.

Meu artigo sugeria que a lei moderna lhe daria uma base melhor para lidar com o problema; afinal, Smith não é jurista. Talvez sua visão esteja errada e Obama esteja, de fato, agindo dentro de seus poderes de comandante-chefe. Se for esse o caso, sua defesa heroica da Constituição terá sido totalmente contraproducente, levando apenas à punição e à destruição humilhante de sua carreira.

Foi exatamente por isso que ele agora entrou com uma ação no Tribunal Distrital dos EUA, no Distrito de Columbia, pedindo que a justiça emita julgamento declaratório sobre sua responsabilidade constitucional, prometendo continuar a prestar serviço, de forma dedicada, enquanto o júri analisa as questões legais levantadas pela guerra não declarada (ele está sendo representado por David H. Remes; eu estou agindo apenas como consultor).

O precedente aberto na Guerra do Vietnã deveria encorajar os juízes de hoje a levar o caso de Smith a sério, principalmente porque os argumentos sobre o mérito, desta vez, são muito mais fortes. Durante os últimos meses do governo Nixon, uma maioria congressional bipartidária aprovou a War Powers Resolution, passando por cima do veto presidencial. Seu objetivo era impedir que futuros líderes seguissem o exemplo do presidente, que elevou a Guerra do Vietnã a um patamar muito além da autorização limitada dada pela Resolução do Golfo de Tonkin.

A decisão de 1973 exige que o comandante-chefe conquiste a aprovação do Congresso e do Senado em até 60 dias a partir da introdução de forças em situações que envolvam “hostilidades iminentes”; se não a obtiver, deve encerrar a campanha nos trinta dias seguintes.

O atual presidente, Obama, ao menos repudiou as alegações extremas feitas pelo ex-vice-presidente Dick Cheney e John Yoo, membro da Procuradoria Geral sob George W. Bush, que denunciaram a War Powers Resolution como inconstitucional; em vez disso, comprometeu seu governo, de maneira explícita, com a visão mais sóbria elaborada pelo Departamento Jurídico do Conselho de Jimmy Carter, para quem os prazos de 60/30 dias eram totalmente alinhados com a “função constitucional de comandante-chefe” do presidente.

Este não é um espaço para discutir os argumentos legais que os advogados do presidente farão em sua defesa; meu objetivo é simplesmente afirmar que Smith tem razão em acreditar que o tribunal federal seja a plataforma correta para aliviar não só a si, mas outros soldados conscienciosos, do dilema terrível imposto pelo juramento a que estão presos.

Os norte-americanos comuns não enfrentam a mesma escolha trágica, mas irão se beneficiar enormemente da iniciativa judicial que dará uma resposta a Smith. No mínimo, o prospecto de revisão judicial deve encorajar os atuais candidatos à presidência a deixar suas posições bem claras sobre as questões envolvidas. Se pretendem voltar aos excessos presidencialistas da era Bush, agora é a hora de informar seus eleitores. Entretanto, se vão se manter firmes na constitucionalidade da War Powers Resolution, então isso abrirá caminho para um esforço renovado de adequação com suas exigências após as eleições.

É claro que não há como saber quem assumirá em Washington depois das eleições. Da mesma forma que Obama e o Congresso não conseguiram criar uma nova autorização para a guerra contra o Estado Islâmico, seus sucessores podem também não conseguir cumprir as responsabilidades solenes da War Powers Resolution. Mesmo assim, a pressão política para furar esse bloqueio deve aumentar conforme o caso do capitão Smith for subindo a escada judicial.

Porém, se o impasse continuar, deve levantar uma questão delicada quando finalmente chegar à Suprema Corte: com o fracasso dos setores políticos no cumprimento de seu dever, será que os juízes estarão preparados para defender seu papel como guardiões máximos da Constituição?

(Bruce Ackerman, professor de Direito em Yale, é autor de “The Decline and Fall of the American Republic”.)


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