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Quatro partidos dividiram propina em forma de doação legal

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SÃO PAULO – Os R$ 5 milhões que o ex-senador Gim Argello pediu a Ricardo Pessoa, dono da UTC, para que o empresário não fosse ouvido na CPI da Petrobras do Senado e na CPMI do Senado e da Câmara dos Deputados foram depositados como doações eleitorais oficiais para quatro partidos políticos – o DEM recebeu R$ 1,7 milhão; o PR ficou com R$ 1 milhão; e PMN e PRTB ficaram com R$ 1,150 milhão cada um. No total, foram 12 depósitos aos partidos entre 11 de julho e 2 de outubro de 2014.

Preso nesta manhã na 28ª Fase da Lava-Jato, Argello foi senador entre 2007 a 2015 e foi vice-presidente tanto da CPI da Petrobras do Senado quanto da CPMI do Senado e da Câmara dos Deputados. Os quatro partidos beneficiados compunham a coligação partidária pela qual concorreu Gim Argello ao mandato de senador pelo Distrito Federal em 2014.

Embora o dinheiro tenha servido para impedir que Pessoa fosse convocado a depor, o que dependia da concordância de outros parlamentares, o juiz Sérgio Moro afirmou no despacho em que determinou a prisão preventiva de Argello que “não há nenhuma prova de que os dirigentes desses partidos estariam envolvidos nos ilícitos” e que o mais provável é que o então senador não tenha revelado a eles “a origem escusa do numerário” e que os valores tenham servido para custear a campanha do próprio senador, que não foi reeleito.

OUTRAS EMPREITEIRAS CONCORDARAM COM ‘PROTEÇÃO’

Segundo o juiz Sérgio Moro, a decisão de Pessoa não foi um ato isolado e dirigentes de outras empreiteiras concordaram em obter de Argello proteção nas comissões parlamentares de inquérito. Interceptações feitas no celular de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, mostram que Gim era tratado pelo codinome “Alcoólico”, uma referência à bebida gim. A própria OAS fez depósito de R$ 350 mil na conta da Paróquia São Pedro, em Taguatinga, a pedido do então senador e o valor saiu da obra da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima, da Petrobras.

“No caso do pagamento pela OAS, a utilização de linguagem cifrada nas comunicações, o pagamento subreptício e o emprego de codinome para identificação de Gim Argello (“Alcoólico”) deixam pouca margem para dúvida quanto ao caráter ilícito das comunicações e do pagamento. Afinal, caso fosse lícita, seria natural que fosse tratada com transparência, sem utilização de subterfúgios ou de codinomes na própria comunicação”, disse Moro.

Em 2014, Léo Pinheiro trocou mensagens com executivos da própria OAS sobre os pagamentos a Agnello e também com Otávio Marques de Azevedo, presidente do Grupo Andrade Gutierrez, outra das empreiteiras envolvidas no pagamento de propinas a agentes da Petrobras e que assinou acordo de leniência na Lava-Jato.

“Otávio, o nosso Alcoólico está indóssil. Seria oportuno um ligação sua para ele. Fico preocupado com as reações intempestivas. Abs. Léo”.

SEM REAÇÃO, MAIS CRIMINOSOS OCUPARÃO INSTITUIÇÕES

Ao determinar a preventiva, o juiz Sérgio Moro lembrou que Gim Argello já responde por outros inquéritos e que há provas do envolvimento dele na extorsão dos dirigentes de empreiteiras. Segundo ele, mesmo sem mandato, não se pode dizer que o ex-senador não tem mais influência ou poder político

“Inaceitável que agentes políticos em relação aos quais existam graves indícios de envolvimento em crimes contra a Administração Pública e lavagem de dinheiro permaneçam na vida pública sem consequências”, disse Moro.

Para o juiz, se não houver reação, o Brasil corre o risco de ver progressivo predomínio de criminosos nas instituições públicas, colocando em risco a democracia.

“Como dinheiro é poder e o domínio político é competitivo, políticos desonestos, por terem condições de contar com recursos criminosos, possuem uma vantagem comparativa em relação aos probos. Se não houver reação institucional, há risco concreto do progressivo predomínio dos criminosos nas instituições públicas, com o comprometimento do próprio sistema democrático”, afirmou.

NADA PIOR PARA A DEMOCRACIA DO QUE POLÍTICO DESONESTO

Moro diz que o correto seria que as próprias instituições políticas e os partidos resolvessem essas questões, mas que a intervenção do Judiciário se faz necessária:

“Não sendo este o caso, necessária infelizmente a intervenção do Poder Judiciário para poupar a sociedade do risco oferecido pela perpetuação na vida pública do agente político criminoso, máxime quando há possibilidade de que este volte, em futura eleição, a assumir mandato parlamentar. Nada pior para a democracia do que um político desonesto”.

Moro disse que as comissões de inquérito, como as dos Correios (Mensalão), do Orçamento (Anões do Orçamento) e a que investigou Paulo César Cavalcante Farias, o ex-tesoureiro de Fernando Collor, revelaram crimes e contribuíram para fortalecer as instituições.

No caso da Petrobras, porém, Argello “utilizou os poderes investigatórios e coercitivos das comissões parlamentares de inquérito não para elucidar crimes, mas sim para cometê-los, o que representa uma completa inversão de valores”.

“Durante o ano de 2014, quando as investigações da assim denominada Operação Lava-Jato já revelavam indícios de amplo esquema de corrupção, parece intolerável que o investigado, integrante das comissões parlamentares de inquérito, ao invés de contribuir com as apurações, passasse, como indicam as provas, a extorquir os investigados para protegê-los das apurações. Essa audácia criminosa, pertinente ao modus operandi, também é indicativo da necessidade da prisão cautelar para interromper a possibilidade da prática de novos atos criminais pelo investigado e para resguardar a ordem pública”, afirmou o juiz.


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