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Primeira mulher presidente pode ser símbolo do ocaso de um projeto de poder

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BRASÍLIA — Mais de duas décadas após o primeiro impeachment vivido no Brasil, o Senado votará pela segunda vez, no período democrático, um processo de afastamento de um presidente da República. Salvo surpresas de última hora, políticos de diversas vertentes, inclusive do próprio governo, acreditam que a votação nesta quarta-feira afastará a primeira presidente mulher eleita no país e selará a interrupção do ciclo de quase 14 anos de poder do PT na esfera federal.

Na véspera da votação, 50 senadores já haviam declarado serem favoráveis ao impeachment — são necessários 50% dos votos dois 81 senadores mais um para aprovar a abertura do processo. Ainda assim, até o último momento, o governo faz tentativas para anular o procedimento, ou ao menos retardar sua tramitação.

Na terça-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de anulação e uma liminar para que o processo seja suspenso. A relatoria do mandado de segurança ficou nas mãos do ministro Teori Zavascki, que também é relator da operação Lava-Jato, a mesma que contribuiu de forma decisiva para a formação de um clima desfavorável em relação ao governo e ao PT. A qualquer momento, Teori pode emitir uma decisão.

Nos bastidores, petistas admitem que a derrota do governo se tornou inevitável desde que a Câmara aprovou, com os votos de 367 deputados, a abertura do processo. Mas explicam que toda a resistência ensaiada pelo Palácio do Planalto servirá para construir e fortalecer a narrativa futura de que o impeachment da presidente teria sido um “golpe”. Se não adiantar para salvar a cabeça de Dilma Rousseff do julgamento final, que ocorre em até 180 dias a partir de amanhã, pode cumprir a função de permitir que o PT sobreviva para disputar eleições em 2018 como um “player” relevante. Isto, após vários de seus principais nomes, como o ex-presidente Lula, terem sido alvejados pelas descobertas da Lava-Jato.

Diferentemente do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que em 1992 foi retirado do poder pelo envolvimento em denúncias de corrupção, o afastamento da presidente Dilma, se consolidado nesta quarta-feira, terá ocorrido, formalmente, graças a manobras orçamentárias que serviram para desequilibrar e maquiar as contas públicas. Segundo seus acusadores, as ações foram responsáveis, em parte, por mergulhar o país em uma das piores crises econômicas da história recente. A economia brasileira no ano passado teve o pior resultado desde 1990, início do ciclo recessivo que antecedeu o impeachment de Collor.

Apesar de haver, na denúncia original do impeachment, acusações de corrupção e omissão, entre outros, a análise do processo acabou restrita apenas à edição de decretos de crédito suplementar e às “pedaladas fiscais” de 2015, o uso de bancos públicos para pagar despesas sem repassar a eles o montante equivalente. Consta da denúncia do impeachment o crescimento do débito do Tesouro junto ao Banco do Brasil relativo a despesas do Plano Safra, que saltou de R$ 10,9 bilhões em dezembro de 2014 para R$ 12,5 bilhões em novembro de 2015. A restrição ao tema derivou de uma decisão do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para que nada que houvesse ocorrido no mandato anterior afetasse o atual. Uma escolha vista como forma de evitar a criação de uma jurisprudência que poderia afetar o próprio peemedebista, alvo de diversas denúncias de corrupção relativas a períodos anteriores ao seu atual mandato.

Mas, além das pedaladas, a tempestade perfeita que envolveu o governo da petista se formou a partir de uma série de passos que deixaram, sobretudo, a sensação de desgoverno no País. Após uma reeleição apertada, que explicitou a divisão do país, a presidente Dilma viu sua base de apoio minguar no Congresso Nacional, apesar dos bolsos abertos e a abundância em ofertas de cargos para os partidos aliados.

De lá para cá, muitos foram os golpes sofridos pelo Palácio do Planalto. Enquanto a economia afundava e crescia o número de desempregados na mesma proporção da insatisfação do setor produtivo, a presidente viu seu entorno ser atingido por denúncias de envolvimento em corrupção na Lava-Jato. O episódio mais emblemático foi a nomeação, barrada pelo Supremo, do ex-presidente Lula como ministro, um mês antes da votação do impeachment na Câmara. Entre seus auxiliares e principais conselheiros, não houve quem escapasse: sob pedidos de investigação, estão seu assessor especial, Giles Azevedo, os ministros Edinho Silva (Comunicação Social), Jaques Wagner (Gabinete da Presidência), Aloizio Mercadante (Educação) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo). A própria presidente também se tornou objeto de pedido de investigação.

Olhando ainda mais para trás, as manifestações de 2013 serviram como ponto de inflexão sobre o tratamento que a sociedade pretendia dar à classe política a partir de então. A insatisfação generalizada com a falta de representatividade no Executivo e no Congresso foi o combustível que incendiou a fagulha da revolta contra o aumento das tarifas de transporte público, um aviso de que já não se aceitariam as coisas como elas eram. Para analistas do cenário político, a falta de reação do governo sobre este alerta foi o começo do fim para a gestão de Dilma.

Desde então, o que se viu foi o aprofundamento do fisiologismo na forma de governar, com alianças cada vez menos programáticas e mais pragmáticas, desembocando em um presidencialismo de coalizão desconexo, que terminou implodindo. Não é uma casualidade o fato de o impeachment somente ter sido viabilizado no Congresso depois que o PMDB, principal partido da base aliada, que entre outros incontáveis cargos, ocupa a vice-presidência da República, embarcou no processo.

Os meses que duraram a tramitação do impeachment tiveram ingredientes novelescos. Para acrescentar emoções até o último minuto, o deputado Eduardo Cunha, réu na Lava-Jato e considerado figura fundamental na aprovação do processo, foi afastado do cargo na semana passada, dando ao governo argumentos para, mais uma vez, contestar sua condução. O argumento principal é de que houve irregularidades na forma como Cunha presidiu o processo, sempre movido por um desejo de vingança contra o governo.

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), até dias atrás considerado um fiador da governabilidade do PT, nos últimos dias, passou a trabalhar afinado com o eventual novo governo do PMDB. Na segunda-feira, Renan rejeitou o anedótico pedido de anulação da sessão da Câmara que aprovou o processo, feito pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão — possivelmente o que por menor tempo terá ocupado o cargo. Na quarta-feira, após sair de um encontro com Michel Temer, Renan aplaudiu publicamente a configuração ministerial desenhada pelo vice, com dez ministérios a menos que Dilma. Diligente com o hipotético novo presidente, informou que a “posse” do novo governo já poderá ocorrer nesta sexta-feira.


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