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Na política exterior pós-Dilma, sai ideologia e entra comércio

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BRASÍLIA – O afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República pode significar o sepultamento da polêmica diplomacia petista, que teve seu auge no governo Lula e caiu no ocaso no primeiro mandato da presidente. Com a mudança de comando e a escolha do tucano José Serra para o Itamaraty, troca-se a política de integração Sul-Sul para uma atuação com perfil mais liberal e com maior ênfase nas negociações comerciais.

— A estratégia do PT era intensificar algumas tendências históricas da política externa brasileira, como a diversificação de parcerias e a promoção do desenvolvimento para dentro e para fora do país. O objetivo era demarcar as diferenças com governos anteriores — afirma Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Lula apostou na diplomacia presidencial, centrada na sua figura, e numa narrativa grandiloquente de “potência emergente”, que levou a movimentos ousados, como a criação do Brics (sigla para o bloco de emergentes formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a tentativa de mediação nuclear com o Irã. Tudo isso com o objetivo de consolidar um espaço privilegiado do Brasil no mundo, como a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ou a aprovação de um acordo agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Contudo, nenhuma dessas condições se reproduziu durante o governo de Dilma Rousseff. Desinteressada por política externa, sofrendo oposição do seu próprio partido e destituindo o Itamaraty de prerrogativas e recursos, a presidente colecionou fracassos diplomáticos, enquanto suas vitórias foram quase todas reativas e efêmeras.

— O problema da presidente é que ela não poderia, por amor ao legado de Lula, mudar a retórica de “potência emergente” e reduzir o ativismo global brasileiro. Na prática, contudo, foi o que aconteceu — destaca Casarões.

Ao assumir, encerrando o ciclo de oito anos comandado por Fernando Henrique Cardoso, uma das primeiras providências de Lula foi enterrar as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em um enfrentamento direto com os Estados Unidos. Outra foi lançar, no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), sua proposta de combate à fome e de redução da miséria.

Disposto a estreitar as relações do Brasil com os países em desenvolvimento, Lula foi ao Oriente Médio e ofereceu ajuda em dois assuntos altamente complexos: as negociações para um acordo de paz entre palestinos e israelenses e a elaboração de uma proposta para que o Irã pudesse ter seu programa nuclear para fins pacíficos. O então presidente foi bastante criticado por seus adversários, mas ganhou projeção na mídia internacional.

AMBIÇÕES GLOBAIS

Lula também reforçou as relações com a América do Sul. Alinhou-se politicamente com os governos de esquerda da região, como os da Venezuela e da Bolívia, e foi o principal fiador da entrada dos venezuelanos no Mercosul.

Ele contava com seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, para resolver questões de ordem política. Mantido no cargo por Dilma, Marco Aurélio foi enviado várias vezes a países vizinhos para ajudar na resolução de crises. Em outra ponta, estava o chanceler Celso Amorim, principal arquiteto da política externa brasileira. Uma de suas frustrações foi não conseguir emplacar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

— O fato mais marcante nas relações internacionais do Brasil nos últimos anos foi a opção ideológica que norteou a tomada de decisões, ou mesmo a ausência de decisões. Nos últimos anos, o Brasil priorizou as relações Sul-Sul, que representam cerca de 6% do comércio mundial, cujos países não estão incluídos entre os mais desenvolvidos, em detrimento do diálogo Sul-Norte, mais forte econômica e comercialmente — diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Outro aspecto ideológico citado por Castro foi a aproximação política dos países com governos polêmicos, como Líbia, Irã, Venezuela e Cuba, que na época, segundo ele, gerou nos países desenvolvidos e nos organismos internacionais um olhar de desconfiança sobre o Brasil. Indiretamente, acrescentou o presidente da AEB, os brasileiros desenvolveram um autoisolamento comercial e, em alguns casos, político.

— Se você fizer um balanço objetivo da diplomacia lulopetista em relação às prioridades declaradas, quais os resultados políticos e comerciais? O pouco que beneficiou o Brasil, em certos momentos, hoje desapareceu — afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e hoje presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior.

Enquanto Lula se beneficiava da boa fase na economia mundial, Dilma assumiu em plena crise. Enfrentou momentos difíceis. Um deles foi o escândalo sobre a espionagem de cidadãos brasileiros — incluindo a própria presidente — por órgãos de Inteligência americanos. Outro foi a fuga, para o Brasil, do senador boliviano Roger Pinto Molina, pelas mãos do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, o que causou a exoneração do então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota.

QUESTÕES ORÇAMENTÁRIAS

O embaixador José Alfredo Graça Lima foi negociador-chefe de acordos comerciais no governo FH e, posteriormente, assumiu outras funções nos governos Lula e Dilma. Para ele, o novo chanceler terá de fazer uma coordenação com a equipe econômica de Temer, a ser chefiada pelo ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para resolver questões orçamentárias e trabalhistas dos servidores do Itamaraty. Também terá de se esforçar para que a política comercial busque uma inserção mais competitiva nos planos global e regional.

— Já se sabe que Temer tem gosto por política externa e acredita em diplomacia presidencial, tendo, como vice, exercido funções relevantes, por exemplo, nas relações com a China — diz o diplomata.


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