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Mercadante tentou barrar delação e prometeu ajuda, diz Delcídio

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BRASÍLIA – O senador Delcídio Amaral (PT-MS) afirmou em sua delação premiada que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tentou barrar a colaboração do parlamentar junto à Procuradoria Geral da República (PGR), inclusive com uma suposta ajuda financeira e com gestões junto aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. As acusações fazem parte do termo de colaboração número cinco da delação, homologada nesta terça-feira pelo ministro do STF Teori Zavascki e tornada pública a partir dessa homologação. (CONFIRA A ÍNTEGRA DA DELAÇÃO)

O assessor mais próximo de Delcídio, Eduardo Marzagão, gravou conversas com Mercadante mantidas em duas reuniões em dezembro, depois da prisão do senador. Houve ainda uma terceira conversa, com uma assessora do ministro chamada “Cacá”. Os diálogos foram fornecidos à PGR. O site da revista “Veja” publicou nesta terça-feira trechos das conversas gravadas.

“Aloizio Mercadante disse a Eduardo Marzagão para o depoente ter calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento político. A mensagem de Mercadante, a bem da verdade, era no sentido do depoente não procurar o Ministério Público Federal para, assim, ser viabilizado o aprofundamento das investigações da Lava-Jato”, registra o termo de colaboração número cinco. O ministro disse que em pouco tempo o assunto seria esquecido, conforme a delação.

A delação caiu como uma ‘bomba’ no MEC e fez Mercadante descumprir compromissos de agenda para se encontrar com a presidente Dilma. No entanto, a presidente não deve se manifestar sobre a citação.

Ao ouvir do assessor que Delcídio e família tinham gastos excessivos com advogados, o que os obrigava a vender imóveis, Mercadante disse, conforme o senador: “A questão financeira e, especificamente, o pagamento de advogados poderia ser solucionado”. Na interpretação de Delcídio, isso ocorreria “provavelmente por meio de empresa ligada ao PT”. “O depoente assim conclui porque este é o modus operandi do PT. A propósito da contratação de escritórios de advocacia ao tempo do mensalão, acredita o depoente que o PT bancou a defesa dos correligionários envolvidos”, cita o termo de colaboração.

O senador ressaltou que Mercadante “é um dos poucos que possui a confiança de Dilma Rousseff, tendo afirmado, inclusive, que ‘se ela tiver que descer a rampa do Planalto sozinha, eu descerei ao lado dela'”. Segundo a visão do delator, o ministro da Educação agiu como emissário da presidente.

O termo de colaboração registra que Mercadante disse que intercederia junto a Renan e Lewandowski “para tomarem partido favoravelmente ao depoente, no sentido de sua soltura”. “Se o depoente resolvesse colaborar com o Ministério Público Federal e com o Poder Judiciário, receberia uma responsabilidade monumental por ter sido um agente de desestabilização”, disse Delcídio atribuindo a fala a Mercadante. O ministro “salientava que deixava o depoente à vontade para decidir o que achasse melhor”.

Em nota, a assessoria do STF negou “qualquer tipo de conversa” de Lewandowski como foi citado na delação. “Como presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski, sequer tem poder decisório sobre os feitos citados, tarefa incumbida ao relator e aos integrantes da Segunda Turma”, diz o texto, que destaca também que o ministro “zela pela independência e pela imparcialidade do exercício da magistratura”.

Delcídio disse não ter sentido “firmeza” na promessa do ministro e que a ofensiva acabou influenciando o senador a fazer a delação premiada. “Esta mesma situação aconteceu com Marcos Valério e com outras pessoas que enfrentaram problemas semelhantes”. O senador afirmou que o advogado Sigmaringa Seixas, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e o ministro da AGU José Eduardo Cardozo – quando era ministro da Justiça – fizeram contatos com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, preso em Curitiba, “para o fim de serem frustradas, por exemplo, as investigações realizadas a partir do caso Lava-Jato”.

Em reuniões com Dilma, Cardozo, Sigmaringa, Mercadante e o atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ainda conforme o delator, os petistas manifestavam preocupação com “impacto político” da Lava-Jato e os desdobramentos das investigações sobre o ex-presidente Lula e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Confira os diálogos transcritos pelo site de “Veja”:


AM – O que é que tem que você acha que eu possa ajudar?


JEM – Ministro…


AM – De verdade. Tô falando assim. Eu tô aqui. Ó, eu falei: Eu não quero nem saber o que o Delcídio fez.


JEM – É.


AM – Eu quero… (inaudível) eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, ele já fez um movimento errado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande. Aí… entendeu?


JEM – Ministro, o problema é o seguinte.


AM – Pra ele não ser um agente que desestabilize tudo. Porque senão vai sobrar uma responsabilidade pra ele monumental, entendeu?

Ajuda financeira

“Veja o que eu posso ajudar”

Ciente de que a família de Delcídio pressionava o senador a fechar um acordo de delação premiada, Mercadante diz a Marzagão estar disposto a forjar uma agenda oficial, como ministro da Educação, para visitar a esposa e as duas filhas do petista. Informado de que elas enfrentavam dificuldades financeiras, não hesita em prometer uma providencial ajuda em dinheiro, para pagar os custos com os advogados, ressalta


AM – É o seguinte, eu me disponho, já te falei isso reservadamente, eu faço uma agenda no Mato Grosso do Sul, eu tenho que ir visitar uma universidade, um instituto… eu falo Maika, eu quero passar aí …da outra vez ela fez um jantar pra mim… quando eu fui lá fazer uma agenda e ela fez um jantar na casa. Então, ó eu gostaria de passar aí, lhe dar um abraço e tal, se tiver espaço.


JEM – Só pra você ter uma ideia, eles estão vendendo a casa.


AM – Pra não ficar expostos.


JEM – Não, até pra…


AM – Arrecadar dinheiro.


JEM – Arrecadar dinheiro. Os carros, a casa. A fazenda, porque é da mãe e do irmão, então lá não vai mexer. Aliás, o irmão tá vindo aí pra tratar desses assuntos. Assuntos financeiros mesmo.


AM – Patrimônio da família.


JEM – Patrimônio, as dívidas que ele tem. Pra você ter uma ideia da situação dele, o salário dele tem consignado. O salário do Delcídio tem empréstimo consignado, que ele está pagando.


AM – Bom, isso aí também a gente pode ver no que é que a gente pode ajudar, na coisa de advogado, essa coisa. Não sei. Pô, Marzagão, você tem que dizer no que é que eu possa ajudar. Eu só to aqui pra ajudar. Veja o que que eu posso ajudar.

Ajuda política

“Vou conversar com o Renan”

Mercadante sabia que Delcídio se sentira traído pelo PT, que o censurara publicamente e, ao lavar as mãos, incentivara o plenário do Senado a referendar a sua prisão. Para adular o ex-líder do governo, o ministro esbanja solidariedade na conversa com Marzagão. Ele critica o próprio partido e avisa que negociará com o presidente do Senado, Renan Calheiros, uma moção, a ser apresentada à Justiça, destinada a garantir o relaxamento da prisão


AM – Eu conversei com vários senadores


JEM – Hã.


AM – Eu falei: vocês se acocoraram!


JEM – Foi.


AM – Ah, pô! Nós tínhamos feito um movimento com o Sarney, o Jader e o…


JEM – Renan


AM – …o Renan e tal… Aí veio a nota do PT. Que nota do PT? Onde que o Rui Falcão agora dirige o plenário do Senado? … é história… essa instituição tem quase 200 anos de história! Como é que vocês aceitam uma coisa como essa, gente! Porque isso vai ser um precedente.


JEM – Abriu uma porteira.


AM – Vai abrir a porteira. Então, vocês precisam repensar o encaminhamento. Talvez o Senado fazer uma moção, a mesa do Senado, ao Teori, entendeu? Um pedido: olha, nós demos autorização considerando o flagrante, considerando as condições etc, mas não há necessidade pá, pá, pá – pá, pá, pá. E tentar construir com o Supremo uma saída. Não pode aceitar isso. Eu acho que se a gente não for pelo jurídico, pelo político, pelo bom senso e deixar tudo pra ele que tá acuado, fodido, a família desestruturada, vai sair só bateção de cabeça. Porque eu posso tentar ajudar nisso aí no Senado. Vou tentar conversar com o Renan e ponderar a ele de construir uma, entendeu, uma moção…

Ajuda jurídica

“Pedido de relaxamento de prisão”

A proposta de compra do silêncio de Delcídio era ampla e irrestrita. Além de dinheiro e lobby em defesa do petista no Senado, Mercadante promete conversar com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, a fim de convencê-lo a acolher o pedido de relaxamento de prisão durante o recesso do Judiciário. A ação, se realizada, não surtiu o efeito esperado. Delcídio só foi solto em fevereiro, depois de negociar a colaboração com as autoridades.


AM – Eu vou tentar um parecer jurídico que tente encontrar uma brecha pra que o Senado se pronuncie junto ao Supremo com o pedido de relaxamento da prisão, porque ela não se justifica mais. Acho que esse é o caminho que eu vejo. Vou estudar e te dou o retorno de hoje pra amanhã.


JEM – Isso, porque o problema é que o dia D é terça-feira.


AM – Tá.


JEM – Porque se passar terça-feira e não sair, só no ano que vem.


AM – Não, não, mas o presidente vai ficar no exercício… também precisa conversar com o Lewandowsky. Eu posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída. Mas eu vou falar com o ministro no Supremo também.


JEM – Complicado.


AM – Mas é o seguinte, eu não tenho nada a ver…o Delcídio… zero… não tô nem aí se vai delatar, não vai delatar, não tô nem aí… a minha, a minha questão com ele é que eu acho um absurdo o que aconteceu com ele. Primeiro pelo quadro que ele é, segundo pela cagada que não era necessária aquela exposição que ele teve, terceiro pela atitude das instituições e do partido (inaudível)… lava a mão, vira as costas, um cara totalmente… uma coisa covarde pra caralho, um absurdo. Na minha interpretação, de uma vingança até da… ele pode ter se excedido na CPI dos Correios, mas é evidente que ele segurou bronca pra caralho.


JEM – Vai saber.


AM – É, lógico que ele sabe. Não sei exatamente os detalhes, mas eu sei que ele fez o que era possível, prudente, coisas que não estavam comprovadas, que não eram sérias, mas, é isso aí… (inaudível)… a função era muito difícil a cobrança em cima dele…

Estratégia de defesa

“O Renan está acuado”

Na segunda e mais incisiva conversa com Marzagão, Mercadante alega que seria necessário acabar de vez com os rumores sobre a possibilidade de Delcídio fechar uma delação. Se o assunto não saísse de pauta, argumentou o ministro, seria difícil envolver o presidente do Senado, acusado de receber dinheiro sujo do petrolão, e o governo nos esforços empreendidos para salvar o mandato do petista e livrá-lo da prisão


AM – A estratégia de defesa é nesse sentido, entendeu? Ele foi: meu mandato, eu quero defender meu mandato, eu quero ter liberdade pra poder defendê-lo, não posso constranger o meu direito de defesa no Senado e pá pá pá, prerrogativas, estão aqui as minhas condições e pelo direito que é líquido e certo, a ilegalidade do ato – é um absurdo o que foi feito…


JEM – Mas ele não pode falar isso


AM – Não, mas tem que construir. Tem que ter gente pra fazer e falar.


JEM – É.


AM – O que que é a dificuldade? O que é que eu quero te alertar. O Renan é um cara que tem uma zona cinzenta nessa história.


JEM – É.


AM – Como é que o Renan vai se mexer….eu sei que ele tá acuado porque o outro vai… entendeu?


JEM – É.


AM – Como é que o governo se mexe, porque parece que tem alguma coisa que ele sabe do rabo de alguém. Então, eu acho que tem que tirar isso da pauta nesse momento, pra defesa dele, tô falando… pra tentar construir – não sei se é possível a defesa…


JEM – Honestamente eu não sei…


AM – Eu não sei, o que eu vou… o que eu me disponho…como eu te falei. Olha, eu não quero me envolver mais do que posso. Faço isso por absoluta solidariedade. Acho que o que o PT fez é indigno e acho que o Senado não devia ter recuado.


JEM – É. Mas nem só por causa dele.


AM – Não… é institucional, gente.

Evitar a delação

“Parece que ele está fazendo porque tá com medo”

Neste trecho, Mercadante detalha como seria a operação de bastidor em favor de Delcídio e, para dar credibilidade ao discurso, dá nome a um dos participantes da empreitada. O ministro diz que advogados de confiança, como o ministro do TCU Bruno Dantas, ex-advogado-geral do Senado, ajudariam a elaborar uma tese jurídica que permitisse à Casa defender o senador no Supremo Tribunal Federal.


AM – O cara, pô, fodido, acuado, arrebentado, sangrando… eu vou fazer o seguinte: eu vou conversar com alguns advogados que eu confio. Acho que vou chamar o Bruno Dantas pra conversar, que foi advogado-geral da União muito tempo… do Senado, ou algum consultor do Senado que pense juridicamente se o Senado tem alguma providência pra interferir. Inclusive alegar o seguinte: nós queremos que ele se defenda, de um processo aqui pi, pi, pi…


JEM – Sim. Normal.


AM – E crie qualquer porra de um argumento contanto que ele não fique lá preso, acuado desse jeito.


JEM – Que fique em casa com tornozeleira, que fique num quartel do Exército, o caralho que seja, mas lá é…


AM – É ruim. Quando ele fala do risco da delação, hoje o advogado desmentiu. Fica um negócio assim: Parece que ele tá fazendo porque tá com medo, entendeu? Porque não tinha essa pauta…


JEM – O problema é o seguinte: é que ele tá desestruturado. Então, alguém tá colocando pra ele que essa é a única maneira de ele sair de lá.


AM – Bom, eles fazem isso com todo mundo. Desestruturam o cara. Botaram… caralho… O que fizeram com o filho do Paulo Roberto foi isso, com as filhas…


JEM – Sim. Agora, vê a situação dele: um senador com um mandato vigente


AM – Preso.


JEM – Preso, continua sendo senador e… um zé-ninguém lá.


AM – Sim… mas tem um lado e tem que pensar o seguinte… eu acho que precisa esfriar o assunto dele. Vão vir outros. Vai vir Andrade Gutierrez, não sei quem, não sei quem, o Zelada, o caralho, vai vir merda pra caralho toda hora. Aí vai diminuindo. Precisa esfriar o caso dele. Segundo: ele tando lá, não tem inquérito no Senado. Não tem como cassar um senador preso.

Solidariedade do governo

“Veja o que eu posso ajudar”

Já na primeira conversa com Marzagão, Mercadante oferece “apoio pessoal e político” em troca do silêncio do senador Delcídio Amaral. De início, o ministro até registra se tratar de uma iniciativa de cunho pessoal. Depois, se trai, ressalta sua relação de lealdade com a presidente Dilma e registra, em alto e bom som, que a ajuda se dará “dentro do governo”.


AM – Eu não conheço a Maika. Mas se você achar, porque eu vou dizer o seguinte. Eu sou um cara leal. A Dilma sabe que se não tiver uma pessoa para descer aquela rampa, eu vou com ela até o final. Eu gosto do Delcidio, eu acho ele um cara muito competente, muito habilidoso, foi fundamental para o governo, um monte de virtudes, muito mais jeitoso, ia atrás, se empenhava, fazia… você não pode pegar uma biografia como essa, uma história como essa, porque o cara tropeçou numa pedra, numa situação de desespero, tentando encontrar uma saída, você vê aquele jeito que ele vai tentando mostrar um serviço, eu não consigo entender porque ele foi aonde ele foi. Mas foi, não adianta. Então vamos ter que deglutir isso aí. O que eu acho que ele está precisando agora é algum tipo de apoio e solidariedade pessoal e político. Então, você veja o que eu posso ajudar. ‘Se você achar, Mercadante, era bom você ir no Mato Grosso do Sul falar com as filhas dele.’ Eu não vou me meter na defesa dele. Não sou advogado, não tenho o que fazer, não sei do que se trata, não conheço o que foi feito.


JEM – Mas o que o Rui fez, queimou qualquer possibilidade.


AM – Foi um absurdo. Eu dentro, vou tentar ajudar no que eu posso. Dentro do governo, dentro do partido menos, porque eu não tenho muitas relações hoje. Mas vou tentar porque achei um absurdo. Eu quero ajudar no que eu puder. Só vou fazer o que eu puder. Não adianta me pedir para fazer o que eu não posso fazer porque eu não vou fazer. Agora, o que eu puder fazer, eu farei. Então eu quero que você saiba disso. Conversamos nós dois. Você veja lá o que você acha que ajuda e me passa que eu vejo a providência que a gente pode tomar. Eu imagino que ele está completamente sozinho, fica ruim para a segurança dele.


JEM – O senhor é a terceira pessoa. No dia do acontecido, ligou o Renan e o Sarney para a Maika. Mais nada. E disseram barbaridades, chamaram a presidente de filha da puta.


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