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Maioria do STF decide tornar Eduardo Cunha réu na Lava-Jato

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BRASÍLIA – O relator dos inquéritos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, o ministro Teori Zavascki, votou nesta quarta-feira pela aceitação parcial da denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha e a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), atual prefeita de Rio Bonito. Os ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Roberto Barroso, Rosa Weber, Edson Fachin anteciparam o voto para acompanhar o relator. Se o voto da maioria dos ministros não mudar, o presidente da Câmara será o primeiro réu da Lava-Jato com foro especial.

Antes de analisar a denúncia, o STF analisou dois agravos apresentados por Cunha, pedindo a inclusão de mais elementos no inquérito e também mais prazo para apresentar defesa. O ministro Marco Aurélio foi o único a votar pelo acolhimento dos agravos. Ele entendeu que a defesa não teve acesso às delações premiadas, usadas ela Procuradoria Geral da República para abrir inquérito contra Cunha. Os demais ministros, no entanto, acompanharam o relator e se manifestaram pela rejeitação de todas as questões apresentadas pelas defesas de Cunha e da ex-deputada.

Na sustentação da denúncia no plenário, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recorreu à mitologia grega para sugerir que falta a Cunha a capacidade de se envergonhar. De acordo com o procurador, houve pagamento de propina nas sondas.

— O deputado (Eduardo Cunha) e a deputada (Solange Almeida), ambos utilizaram o cargo para pressionar e forçar o pagamento de propina. O deputado Eduardo Cunha recebeu no mínimo US$ 5 milhões e eles indicaram a forma de lavagem do dinheiro — afirmou, para depois concluir:

— Para encerrar, diria que esse caso lembra e deve nos remeter à uma leitura atenta do julgamento de Sócrates, em especial do mito de Hermes. Zeus (deus dos deuses), preocupado com o ocaso da raça humana, encaminha seu representante Hermes (deus mensageiro) com dois atributos especiais para que houvesse êxito na prática lícita da política para organizar a sociedade. Esses predicados eram de respeito ao direito alheio e à justiça, “aidós”, capacidade de se envergonhar. O caso realmente remete a uma leitura atenta do mito de Hermes — disse Janot.

Horas antes de começar a sessão, já havia uma grande fila de pessoas, a maioria estudantes e advogados, na porta do tribunal, ávidas por acompanhar o julgamento. Não havia, entretanto, a presença de manifestantes. No momento, as cadeiras do plenário estão praticamente tomadas pelo público, cena pouco comum no dia a dia da corte.

No início da semana, a defesa de Cunha pediu para o tribunal adiar o julgamento por uma semana, para ter mais tempo de apresentar memoriais aos ministros. Teori negou o pedido. Argumentou que o caso já está há bastante tempo no tribunal e, portanto, os advogados já teriam tido tempo suficiente de se manifestar nos autos e em audiências com ministros.

O inquérito trata de suposto recebimento de propina no valor de US$ 5 milhões por parte do parlamentar. Em troca, ele teria permitido a contratação de navios-sonda pela Petrobras. Um dos alicerces da investigação é a delação premiada do lobista Julio Camargo. Um dos recursos que serão analisados na quarta-feira pede que todos os depoimentos do lobista sejam acrescentados ao inquérito, e não apenas alguns, como foi feito. No outro recurso, os advogados pedem mais prazo para apresentar nova manifestação ao tribunal.

O inquérito também é calcado em depoimentos do lobista Fernando Baiano. Segundo o depoente, Cunha recebeu sua parte nos desvios da Petrobras não só em dinheiro, mas também em créditos para usar aviões particulares fretados por lobistas ligados ao esquema.

Segundo as investigações, Julio Camargo transferiu R$ 7 milhões em espécie a Baiano, para ser pago a Eduardo Cunha. O dinheiro foi entregue a Baiano pelo doleiro Alberto Youssef. Dos R$ 7 milhões, foram feitos repasses à Igreja Evangélica Assembleia de Deus em valores de R$ 250 mil e de R$ 125 mil por Julio Camargo, a pedido de Cunha.

Ao fim de todas as operações, Cunha cobrou de Camargo o pagamento de mais R$ 1 milhão. O valor seria devido por conta da variação cambial no período. Camargo concordou em pagar mais R$ 500 mil a Cunha e Baiano arcou com os outros R$ 500 mil.

A parte de Camargo foi paga da seguinte forma: R$ 200 mil em dinheiro e R$ 500 mil em créditos de voo em táxi aéreo. Comprovantes incluídos no inquérito mostram que os voos utilizados por Cunha custaram R$ 122,2 mil e foram realizados entre agosto e setembro de 2014. O valor restante não chegou a ser utilizado, em razão do avanço das investigações da Operação Lava-Jato e das notícias do envolvimento de Julio Camargo nas ilegalidades.

REQUERIMENTOS DE SOLANGE ALMEIDA

O inquérito também trata de dois requerimentos de informação protocolados na Câmara em 2011 por Solange Almeida para pressionar Júlio Camargo. Segundo o Ministério Público Federal, os requerimentos eram na verdade de autoria do próprio Cunha. Ele não queria deixar digitais, mas o sistema de informática da Câmara acabou registrando que os documentos foram redigidos por “dep. Eduardo Cunha”.

Se a denúncia for aceita, será aberta uma ação penal e, com ela, será iniciada uma nova fase da investigação. É possível haver novos depoimentos, produção de provas e quebras de sigilos, conforme a necessidade apontada pelo Ministério Público Federal. Somente depois dessa fase é que Cunha e Solange seriam julgados pelos crimes supostamente cometidos.

A lei prevê pena de 3 a 10 anos de prisão para quem comete lavagem de dinheiro. No caso de corrupção, a pena prevista é de 2 a 12 anos. No entanto, essas penas podem ser aumentadas, porque os acusados cometeram os crimes mais de uma vez. Segundo as investigações, Cunha teria praticado lavagem de dinheiro por 60 vezes e corrupção por duas vezes. O cálculo da pena é realizado apenas depois de concluído o julgamento, em caso de condenação.

PEDIDO DE AFASTAMENTO

Depois de concluído o julgamento da denúncia, o STF vai analisar o pedido do procurador-geral para afastar Cunha do mandato de parlamentar e da presidência da Câmara. Ainda não há data para o tribunal tomar essa decisão. Janot acusa Cunha de utilizar a função para obstruir as investigações da Operação Lava Jato e o andamento de uma representação contra ele no Conselho de Ética da Câmara, constrangendo e intimidando parlamentares, réus colaboradores, advogados e agentes públicos.

Cunha responde a outros dois inquéritos no STF por suposta participação no esquema desvendado pela Lava-Jato. Uma trata das contas abertas na Suíça em nome do parlamentar, e a outra, de pagamento de propina nas obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. 

 


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