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Impeachment sem base legal jamais será perdoado pela história, diz Cardozo

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BRASÍLIA — O advogado-geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, apresenta no fim da tarde desta segunda-feira a defesa da presidente Dilma Rousseff na comissão especial de impeachment da Câmara dos Deputados. O ministro começou sua apresentação destacando que o modelo brasileiro é presidencialista e não parlamentarista. Fez essa observação para registrar que o processo de impeachment não é apenas político e exige elementos jurídicos que o balizem. Afirmou que não pode haver impeachment por “decisão política” ou por “impopularidade”.

— Se não houver crime de responsabilidade, se não houve fato que tipifique, no sistema presidencialista, no estado democrático de direito, não pode haver cassação de mandato do presidente, do chefe de estado, do chefe de governo não pode haver impeachment — afirmou Cardozo.

Cardozo fala aos deputados no último dia do prazo de dez sessões plenárias para Dilma apresentar sua defesa. A partir de terça-feira, começa a contar o período de cinco sessões para que o relator, Jovair Arantes (PTB-GO), apresente seu parecer que, em seguida, será votado pela comissão do impeachment. Arantes informou que pretende apresentá-lo até a quinta-feira.

O ministro afirmou ainda que impeachment pode ser considerado golpe se não for dentro dos pressupostos da Constituição.

— Impeachment é golpe? Pode ser ou não. É fato que está na Constituição. Se pressupostos forem atendidos não será golpe, será situação extraordinária, excepcionalidade, mas se não tiver esses elementos, se não tiver crime, se não tiver ato doloso, a tentativa de impeachment é golpe sim – afirmou o ministro, que foi aplaudido por alguns dos presentes neste momento.

Ele ressaltou que a aprovação de um impeachment sem base legal “jamais será perdoado pela história”. E afirmou ainda que um governo que assumir após um ato desses não teria “legitimidade”, e o país teria problemas internos de segurança jurídica e externos de confiança da comunidade internacional.

— Impeachment é excepcional. Só acontece se atendido pressupostos jurídicos. Tratar isso como disputa política é um erro histórico imperdoável — afirmou.

VINGANÇA DE CUNHA

O ministro afirmou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cometeu “desvio de poder” ao acatar o processo de impeachment de Dilma por “vingança” e como “retaliação” pelo PT negar a apoiá-lo no Conselho de Ética da Câmara.

— Sua excelência, o presidente da Câmara, usou da sua competência para fazer vingança e retaliação à chefe do executivo porque ela se recusara a oferecer no Conselho de Ética, em processo a que ele estava submetido, os votos do seu partido — afirmou o ministro.

Cardozo afirmou que foi noticiada a pressão de Cunha sobre o governo e afirma que Dilma se recusou a fazer a barganha para não perder a legitimidade.

— A presidente da República se recusou a fazer qualquer gestão em relação à bancada do seu partido. Sabe que governo que se curva a esse tipo de situações não tem legitimidade para governar — afirmou.

O ministro sustentou que o fato de Cunha ter aberto o processo nessas condições faz com que haja uma nulidade de início.

— Não se tolera ato praticado por desvio de poder, não se pode ter inicio que marca pecado original inafastável para este processo — disse.

Cardozo sustentou ainda que a juntada da delação do senador Delcídio Amaral gera outra nulidade ao processo. Ele afirma que a decisão de Cunha restringiu o processo a pedaladas fiscais e decretos de crédito suplementar e que a mera inclusão da delação faz com que haja um “vício insanável”.

DECRETOS SUPLEMENTARES

Uma terceira preliminar apresentada por Cardozo foi contra a audiência da comissão que ouviu os juristas Miguel Reale Jr e Janaina Paschoal. Ele afirmou que a defesa não foi notificada e que, se a audiência foi necessária, é porque a denúncia é “inepta”.

Cardozo abordou a questão dos decretos suplementares, registrando que só analisava os de 2015. Ele afirmou que ao longo de 15 anos se permitiu tal prática e citou que governadores também fiseram o mesmo, citando o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

— Se eu puno que as pessoas bebam água, quem bebeu água ontem deve ser penalizado? A partir do momento que o TCU mudou sua posição e baixou acórdãos, o governo não editou mais decretos. Governadores e prefeitos fizeram isso. Um a ser punido é o governador Geraldo Alckmin. Ele baixou decretos suplementares. É correto que haja punição? Não. Temos um mapa de todos os estados atingidos. Seria uma violência constitucional — afirmou Cardozo.

Ele sustentou que mais de 20 órgãos técnicos, inclusive alguns de outros poderes, deram base para a edição dos decretos. Ressaltou ainda que não há decisão definitiva do TCU sobre os decretos de 2015. Enfatizou que não houve aumento de gastos e usou um exemplo de uma feira, para tentar simplificar a questão.

— Imagine que no começo do ano um pai resolva fazer um orçamento doméstico. Numa das etapas, coloca gastos na feira e prevê mensalmente R$ 500. Comprarei R$ 50 de abacaxi, 40 de uva, 30 limão. Ao longo da sua jornada, seus ganhos caem, ele perde o emprego, a comissão que recebia caiu e passa a não ter financeiro para honrar com o que o orçamento prevê, o que faz? Segura o gasto. Esse segurar é o contingenciamento. Pode acontecer que naquela lista necessidades ocorram. Um membro da família tenha se enjoado de determinada fruta e diz: em vez de R$ 30 de uva, posso gastar R$ 50 de mamão, tirando R$ 20 da uva. O pai diz: perfeito, não vou gastar mais. Crédito suplementar é alteração da lista sem que signifique gasto a mais — disse.

‘PEDALADAS’ FISCAIS

Sobre as ‘pedaladas’ fiscais, Cardozo negou que tenha havido operações de crédito com bancos públicos, prática vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Afirmou que pode ter havido inadimplência do governo, mas não a operação vedada, citando como exemplo um patrão que atrasa pagamento de um empregado.

— Se um dos senhores tiver um empregado e atrasarem pagamento, significa que o empregado está emprestando? Pode ser inadimplente, pode não ter honrado compromisso, mas empréstimo não há — afirmou o ministro.

Ele afirmou ainda que não há ato direto da presidente nesse tipo de operação. Afirmou que puni-la por este tipo de ato seria como punir chefes por ações de funcionários ou pais por ações de filhos.

— Seria como se cassássemos o mandato de todos que tem funcionário que realiza irregularidade. O fato de ter poder de supervisionar não coloca na situação de ter praticado crime, se não, pais teriam que responder atos praticados pelo filho —disse.

Cardozo concluiu afirmando que, pela falta de elementos, o impeachment de Dilma seria um golpe de estado.

— Por inexistir crime de responsabilidade configurado, por não existir ato ilícito atribuído à presidente da República, por não existir ato doloso, impeachment seria rasgar a Constituição, seria um golpe. Não porque não está previsto na Constituição, porque está, mas porque esse impeachment atinge a Constituição, golpeia a institucionalidade e atenta contra o estado de direito — afirmou o ministro.

Ao final da exposição, parlamentares governistas aplaudiram enquanto oposicionistas gritavam “Fora PT” e empunhavam cartazes com a frase “Impeachment Já”.

SUCO DE MARACUJÁ PARA OS DEPUTADOS

Mais cedo, o presidente da comissão do impeachment, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), rejeitou pedido feito por deputados da oposição que visavam evitar que o advogado-geral da União fizesse a defesa da presidente Dilma Rousseff. O pedido foi feito por Alex Manente (PPS-SP), porque, segundo ele, Dilma é acusada pessoalmente no processo e não como presidente.

Rosso argumentou que há previsão legal para que a AGU faça a defesa e cabe à presidente escolher quem deve defendê-la.

– É de prerrogativa da denunciada indicar sua representação junto a essa comissão na apresentação de sua manifestação. Não cabe a essa presidência impedir que se represente por quem desejar – afirmou Rosso.

Devido ao clima beligerante nas discussões da comissão, Rogério Rosso pediu para servir suco de maracujá aos deputados presentes.

— A ideia foi minha. Também servi suco de maracujá em uma reunião em que os líderes discutiam economia — disse o presidente.

— Deram o suco de maracujá, mas não está adiantando muito. A escolinha do professor Rosso continua nervosa — disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).


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