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Delação de Delcídio coloca Dilma no centro da Lava-Jato

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BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO – Veio de um aliado próximo o primeiro petardo disparado na direção da presidente Dilma Rousseff, entre tantos já trocados na Lava-Jato. A delação premiada do senador Delcídio Amaral (PT-MS), ainda não homologada pelo Supremo Tribunal Federal, envolve Dilma em tentativas de interferir nas investigações sobre o escândalo da Petrobras. O teor das acusações, divulgado na quinta-feira pela revista “IstoÉ”, levou Dilma e o Palácio do Planalto para o centro da crise, e estimulou a oposição, que chegou, no começo da tarde, a pedir a renúncia da presidente e a encorpar o discurso de impeachment.

A delação de Delcídio, líder do governo no Senado até ser preso, em novembro, é a primeira de um político que atuou no centro do poder, por isso acrescenta ainda mais pressão ao núcleo próximo a Dilma.

Nove horas depois da publicação da reportagem, a defesa de Delcídio, em nota, afirmou desconhecer os documentos apresentados pela revista, sem contudo negar a existência da delação. Dilma, sem entrar no mérito das acusações, disse repudiar o “uso abusivo de vazamentos como arma política”. A resposta oficial do Planalto veio depois de um dia de reuniões com ministros e assessores mais próximos, que se mostravam “anestesiados”. A avaliação é que a delação é “danosa”, por ter também repercussão econômica, já que o avanço de propostas no Congresso, cada vez mais ressabiado com o governo, tende a se tornar imprevisível.

Delcídio, segundo trechos de depoimentos publicados pela revista, cita uma suposta tentativa de ingerência da presidente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para garantir a liberdade de presos na Lava-Jato. Também dá uma versão nova para a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, segundo a qual Dilma, então integrante do Conselho da Petrobras, sabia de tudo sobre as cláusulas da negociação.

Revelada pelo GLOBO, a delação do senador garantiu a ele a transferência da cadeia para prisão domiciliar depois do Carnaval. A operação em torno do acordo, sigilosa, o levou a prestar depoimentos no Natal e no Ano Novo. Todos os advogados do petista negavam a existência da delação.

O ex-presidente Lula, segundo documentos frutos do acordo, também teria tentado agir para proteger personagens envolvidos na Lava-Jato. Delcídio disse que Lula teria mandado comprar o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró. O ex-presidente afirmou que jamais participou de ilegalidade. O PT reagiu alertando que as declarações acelerarão o processo de expulsão de Delcídio. Mas o rol de acusações contra Lula, que já vinha crescendo com as investigações sobre imóveis ligados a ele, agrava a pressão sobre o ex-presidente. Veja as revelações de Delcídio na negociação de delação premiada:

LAVA-JATO

O que disse Delcídio: Que Dilma Rousseff e o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tentaram em três ocasiões interferir na Lava-Jato. Duas foram frustradas: em encontro em Portugal com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que se recusou a agir a favor de empreiteiros, e quando o desembargador Newton Trisotto não aceitou votar pela libertação de Marcelo Odebrecht e Otavio Azevedo, em troca da nomeação de Nelson Schaefer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, para vaga no STJ. Delcídio diz que Marcelo Navarro Ribeiro Dantas só foi indicado ao tribunal porque aceitou trabalhar para libertar os empreiteiros. O próprio Delcídio teria conversado com Navarro.

O que aconteceu: Dilma e Cardozo realmente se encontraram com Lewandowski na cidade do Porto, mas o motivo alegado para a conversa foi a discussão de um projeto de reajuste do salário de servidores do Judiciário. Já Newton Trisotto ocupou interinamente o cargo de ministro do STJ, antes de Navarro tomar posse. O atual ministro sugeriu a libertação dos executivos, mas foi voto vencido.

O que dizem o governo e envolvidos: Cardozo e Dilma negam qualquer ato ilegal. Trisotto diz que nunca houve tal proposta. E Navarro nega ter feito qualquer acordo em troca da indicação.

PASADENA

O que disse Delcídio: Dilma, então presidente do Conselho de Administração da Petrobras, sabia do esquema de superfaturamento associado à compra da Refinaria de Pasadena, nos EUA, em 2006.

O que aconteceu: Em 2008, o Conselho de Administração da petroleira questionou o negócio. O TCU apontou que a compra da refinaria causou prejuízo de US$ 792 milhões à estatal. Em delação, o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró disse que Dilma sabia dos detalhes da transação.

O que diz o governo: A decisão de compra de Pasadena foi baseada em um resumo técnico falho sem todas as informações necessárias.

NOMEAÇÃO DE CERVERÓ

O que disse Delcídio: O senador diz que Dilma atuou para manter Nestor Cerveró na diretoria internacional da Petrobras, mas, por pressão do PMDB, ele perdeu o cargo. Delcídio disse que recebeu ligações de Dilma no dia da aprovação do nome de Cerveró para uma das diretorias da BR Distribuidora. Ela teria perguntado se Cerveró já havia sido indicado e, depois, teria ligado confirmando a nomeação.

O que aconteceu: Substituído por Jorge Zelada, Cerveró foi retirado do cargo de diretor internacional da Petrobras em 3 de março de 2008. No mesmo dia, o Conselho da Petrobras anunciou a ida de Cerveró para a diretoria financeira da BR Distribuidora, na qual permaneceu até 21 de março de 2014, quando foi demitido.

O que diz o governo: O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que a delação é formada por “um conjunto de mentiras”.

MESADA A CERVERÓ

O que Delcídio diz: Segundo o senador, Lula foi o mandante dos pagamentos para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, com o objetivo de que o ex-diretor da Petrobras protegesse o pecuarista José Carlos Bumlai nos depoimentos.

O que aconteceu: Delcídio foi preso no dia 25 de novembro de 2015, acusado de obstruir as investigações da Lava-Jato. Em uma gravação feita por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras, Delcídio aparece planejando a saída de Cerveró do país e propondo uma mesada.

O que Lula diz: O Instituto Lula repudiou as acusações e negou a participação do ex-presidente em irregularidades.

MEDIDAS PROVISÓRIAS

O que Delcídio diz: O senador diz que Lula estava preocupado com o surgimento do nome de um dos seus filhos no escândalo da compra de medidas provisórias na CPI do Carf. Lula teria pedido várias vezes que ele “agisse para evitar a convocação” de lobistas.

O que aconteceu: Lobistas do escritório Marcondes e Mautoni foram presos na Operação Zelotes, acusados de intermediar a compra de MPs. Investigadores recolheram documentos que mostram que a LFT, empresa do filho de Lula, recebeu R$ 1,5 milhão dos lobistas.

O que Lula diz: Em nota, o Instituto Lula disse que as acusações ao ex-presidente divulgadas pela “IstoÉ” são “completamente falsas”.

MENSALÃO

O que Delcídio diz: O senador afirmou que Lula e o ex-ministro Antonio Palocci articularam um pagamento que chegaria a R$ 220 milhões para que o publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, se calasse sobre a investigação. De acordo com o senador, o dinheiro foi prometido a Valério por Paulo Okamotto, hoje presidente do Instituto Lula.

O que aconteceu: Marcos Valério foi condenado a 37 anos de prisão. Na ocasião, Valério não colaborou com a investigação, mas, no início deste ano, o advogado Marcelo Leonardo informou que o publicitário tinha interesse em fazer um acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava-Jato.

O que Lula diz: Lula afirma que os vazamentos são “ilegais” e nega a participação em qualquer ilegalidade, “antes, durante ou depois” de seu governo.

CPI DOS CORREIOS

O que Delcídio diz: O senador, então presidente da CPI dos Correios, disse que testemunhou “tratativas ilícitas” entre parlamentares da base do governo e da oposição para a retirada de Lula e de um de seus filhos, Fábio Luís, da lista de indiciados. O acordo teria livrado Lula do impeachment.

O que aconteceu: O relatório da CPI mostra que os deputados Roberto Jeferson, José Múcio e Aldo Rebelo participaram de reuniões em que o ex-presidente Lula foi avisado sobre o mensalão. O senador Álvaro Dias apresentou um voto em separado pedindo o indiciamento de Lula, mas o pedido não foi aceito. Um relatório do deputado ACM Neto citava a Gamecorp e o fato de a empresa pertencer a Lulinha. O nome da empresa foi mantido, mas a referência ao filho do ex-presidente foi suprimida do relatório.

O que Lula diz: O ex-presidente diz que “jamais participou” de qualquer ilegalidade.

ATIBAIS E BUMLAI

O que Delcídio diz: De acordo com o depoimento, Bumlai chegou a contratar um arquiteto e um engenheiro para realizar uma reforma no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, frequentado por Lula e familiares. Segundo o senador, no entanto, o executivo Léo Pinheiro, então presidente da OAS, se prontificou a fazer o serviço. O senador disse ainda que Bumlai tem grande proximidade com Lula, atuando como uma espécie de “consigliere” da família.

O que aconteceu: A Operação Lava-Jato investiga se Lula é o dono de fato do sítio, que está em nome dos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, sócios de Lulinha. A investigação aponta ainda que OAS e Odebrecht atuaram na reforma do imóvel.

O que Lula diz: O ex-presidente diz que não é dono do sítio e que o imóvel pertence a amigos.

CPI DO CACHOEIRA

O que Delcídio diz: Houve operação de caixa dois na campanha de Dilma em 2010 realizada pelo doleiro Adir Assad, condenado na Lava-Jato. Segundo o senador, o tesoureiro da campanha, José de Filippi, orientou empresários a fazerem contratos com empresas de Assad, que repassavam os recursos à campanha. Delcídio afirmou que o esquema seria descoberto pela CPI do Cachoeira, e o governo usou o apoio no Congresso para barrar as investigações.

O que aconteceu: Depois de oito meses de trabalho, a CPI chegou ao fim em dezembro de 2012 sem apontar responsáveis. Uma manobra da base governista, em outubro daquele ano, impediu a votação de requerimentos de quebra de sigilos e de convocação de novos depoentes.

O que diz o governo: O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que essa acusação “não faz sentido”.


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