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Comissão ouve defesa de Dilma e Cardozo anuncia requerimento de suspeição de Anastasia

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BRASÍLIA – A comissão especial do Senado que analisa o processo de impeachment ouve desde a manhã desta sexta-feira três ministros que fazem a defesa da presidente Dilma Rousseff. Falam o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e os titulares da Fazenda, Nelson Barbosa, e da Agricultura, Kátia Abreu. A sessão desta sexta-feira teve início às 9h27.

Cardozo, o último entre os três a falar, anunciou que entrará com requerimento de pedindo a suspeição do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) como relator do caso. Como argumento está o fato de Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment, “ao que tudo indica” ser filiado ao mesmo partido do parlamentar.

Ele ainda fez um apelo pela nulidade do processo tendo em vista as motivações elucidadas pelos deputados no plenário da Câmara ao anunciarem o voto. As razões pelo sim ou não no impeachment mostrariam que, em nenhum momento, fora julgado na Casa os supostos crimes de responsabilidade cometidos por Dilma. O advogado-geral da União evocou ainda os pressupostos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para reclamar o anúncio prévio à imprensa da intenção de voto dos parlamentares, prejudicando o julgamento do mérito. 

MUDANÇA DE JURISPRUDÊNCIA

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi o primeiro a discursar aos senadores. Ele defendeu a legalidade dos seis decretos de crédito suplementar editados pela presidente em 2015, que são um dos pontos do processo. Barbosa afirmou que o Congresso tinha dado autorização para a edição por meio da aprovação do Orçamento daquele ano.

– Todos esses decretos estão de acordo com a lei orçamentária e os 29 incisos que especificam quando se pode criar crédito suplementar a partir dessa autorização do Congresso – disse Barbosa.

Ele reiterou que os decretos não aumentaram automaticamente os gastos, mas apenas aumentaram as possibilidades de aplicação dos recursos. Afirmou que não há qualquer impacto direto sobre a meta de superávit primário.

– Esses seis decretos em nenhum momento autorizam o aumento de despesa financeira, somente aumentaram a autorização do que poderia ser gasto com determinada despesa – afirmou o ministro da Fazenda.

Barbosa recorreu novamente, como já havia feito na Câmara dos Deputados, à comparação do caso com o de uma lista de supermercado. Afirmou que os decretos alteraram a lista, mas que o dinheiro para ser gasto continuou a ser o mesmo. Ressaltou ainda que antes da edição dos decretos o governo tinha empreendido “o maior contingenciamento da história”.

– Mudou a lista de itens, mas diminuiu o valor. É como se alguém dissesse ‘você não tem mais R$ 100, tem R$ 80’. Não há que falar que aumentaram a despesa financeira – disse.

O ministro disse que o Tribunal de Contas da União (TCU) mudou sua jurisprudência a questionar os decretos ao analisar as contas de 2014. Ressaltou que isso só ocorreu em outubro de 2015 e que, a partir daí, não foram mais editados decretos dessa natureza.

O ministro Nelson Barbosa rebateu também a inclusão de suposto atraso no pagamento da subvenção do Plano Safra como razão do pedido de impeachment de Dilma. Barbosa afirmou que o plano, assim como o Bolsa Família, é um programa de incentivo do governo. E incentiva a agricultura via equalização de taxas de juros, ou seja, o governo empresta dinheiro ao agricultor numa taxa menor. Ele citou como exemplo o Programa Nacional de Agricultura Familiar, o Pronaf, onde o governo oferta empréstimo a 6% ao agricultor, mas paga 8% ao banco. Esses 2% o governo cobre. Essa operação, explica Barbosa, é autorizada pelo Congresso Nacional.

O ministro afirmou ainda que todos esses programas estão amparados em lei e sua regulamentação são de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Ministério da Fazenda.

– Nem ato da presidente isso é. É um ato dos ministros. É irregular tratar isso como crime de responsabilidade da presidente, como foi (divulgado). Esse tema não foi questionado pelo TCU até 2015 – disse Barbosa.

O ministro disse ainda que a operação não caracteriza operação de crédito porque o próprio TCU fechou questão para mudar essa equação:

– O governo imediatamente aplicou a recomendação do TCU. Submeteu ao Congresso o pedido de adequação de mudança da meta fiscal e pagou todos os passivos apontados pelo tribunal. O que vulgarmente é conhecido como pedalada fiscal, foi resolvido em 2015. Do ponto de vista financeiro e administrativo, o governo adotou as portarias para atender às recomendações do TCU.

‘AFASTAMENTO SEM BASE’

Barbosa afirmou não haver base para o afastamento de Dilma.

– Considero não haver base legal para pedido de impeachment da presidenta Dilma. A edição de decretos foi amparada por pareceres técnicos, é compatível com a Lei Orçamentária de 2015. É compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015. Com entendimento pacífico pelo TCU até então. A mudança de meta, feita pelo Congresso Nacional no mesmo dia da aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara (Eduardo Cunha), validou todos esses decretos – afirmou o ministro, acrescentando: – Tenho certeza que ficará claro, ao final desse processo, seja agora no Senado, como espero que seja, ou no futuro, porque, com certeza, esse processo vai ser objeto de análise detalhado pela nossa história.

Após a defesa feita por Barbosa, foi a vez da palavra da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que fez uma exposição sobre avanços que o setor conseguiu no governo Dilma. Ela criticou o fato de atrasos no pagamento pelo governo aos bancos públicos relativos ao Plano Safra sejam um dos argumentos para o processo contra a presidente.

Kátia afirmou que o atraso não poderia ser enquadrado como operação de crédito e que as subvenções à agricultura não podem ser “criminalizadas”.

– Não podemos admitir que a equalização seja encarada como empréstimo do governo federal junto aos bancos. É absurdo – disse Kátia, que complementou: – Se eu contrato alguém para vigilância ou limpeza e atraso o pagamento, eu tomei emprestado ou estou atrasado e vou pagar multa, juros e correção? Não há deslocamento de dinheiro do banco para o Tesouro, o banco desloca para o produtor e o Tesouro, para os bancos.

Ela disse ainda que mantém o apoio a Dilma não somente pelas conquistas que seu setor teria obtido, mas por acreditar na honestidade e no espírito público da presidente.

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, ao assumir o microfone para fazer a defesa da presidente, anunciou que pedirá suspeição de Antonio Anastasia (PSDB-MG) como relator do processo na comissão. Cardozo usou como argumento que, “ao que tudo indica”, um dos autores do pedido de impeachment, o jurista Miguel Reale Júnior, é filiado ao PSDB.

– Se isso acontece com subescritores alguém do mesmo partido não pode relatar esse processo – disse Cardozo, que, antes, classificou Anastasia como um político “culto, erudito e zeloso”.

Cardozo defendeu no Senado que uma das razões da nulidade do processo foi o conteúdo dos votos dos deputados na sessão de 17 de abril que aprovou na Câmara a abertura do afastamento de Dilma. Ele argumentou que, a tratarem de outros assuntos ao anunciar o voto – como citação à família, religião e sua base eleitoral -, os parlamentares não trataram o assunto específico da denúncia contra a presidente. Afirmou também que aquela sessão tem que ser nula porque os deputados, contra e a favor do impeachment, anteciparam os votos para a imprensa.

O ministro evocou que esses são pressupostos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com base em casos no Peru e Equador.

– Os deputados, nesse caso, são investidos do poder de juízes. E, por isso, não podem antecipar seus votos. Perdem a imparcialidade. Na Câmara, vários se declaram a favor ou contra. Isso significa prejulgamento (…) Também não poderia ter orientação partidária, até com ameaça de expulsão quem votasse contra essa orientação. Ocorreu a favor e contra. Vicia o julgamento. Outra coisa, a maior parte dos deputados não  disseram nada das razões que ensejavam o pedido do impeachment. Votou-se pela Lava-Jato, pela solidariedade. Então, estão inválidos. Essa sessão é nula e o processo, assim, não pode ser aceito pelo Senado – disse Cardozo.

O ministro voltou a atacar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e disse que ele aceitou o pedido de impeachment num gesto de “chantagem explícita” do peemedebista:

– O presidente da Câmara abriu o processo no segundo seguinte à bancada do PT negar-lhe a dar os votos para escapar do processo no Conselho de Ética. Ele perdeu o apoio da oposição, que soltou nota pública contra ele. Ameaçou o governo. O próprio Miguel Reale declarou que foi uma chantagem explícita. Esta ameaça se constitui num desvio de poder e de finalidade. A prova é fartíssima de desvio de finalidade em todo o processo na Câmara.

Cardozo repetiu também que processo desse tipo sem respeito à Constituição e sem assegurar o devido direito ao contraditório e a ampla defesa é golpe:

– Se consumado nesses moldes, efetivamente será um golpe.

O advogado-geral da União ressaltou que o fato de as operações com os bancos públicos terem sido maiores do que em governos anteriores não caracterizam as pedaladas como empréstimos.

– Quantidade maior não altera a natureza jurídica do crime. Homicídio pode ocorrer com uma facada ou dez. Ou é, ou não é. Não tem operação de crédito. Não tem crime – disse.

NOVE HORAS DE SESSÃO

Os senadores ouviram na quinta-feira dois dos autores da denúncia, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaina Conceição Paschoal. Os senadores discutiram temas internos por duas horas e, por conta disso, a sessão demorou nove horas. Reale saiu no começo, mas Janaína ficou até o final respondendo aos questionamentos dos parlamentares.

Reale Jr. afirmou que existe “impressão digital” de Dilma nos crimes de responsabilidade apontados e que o pedido de impeachment combate a “ditadura da propina”. Janaina defendeu que os senadores analisem a denúncia na sua totalidade, incluindo as acusações relativas à Lava-Jato e às pedaladas fiscais de 2014. Na Câmara, por decisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os deputados trataram apenas das pedaladas fiscais de 2015 e dos decretos de crédito suplementar editados neste mesmo ano.

A comissão ouvirá no dia 2 de maio especialistas indicados pela oposição. Falarão o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e o professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) José Maurício Conti.

No dia 3 de maio estão escalados para falar defendendo o governo o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcelo Lavenère, autor da denúncia que levou ao impeachment de Fernando Collor em 1992, e os professores de direito Geraldo Mascarenhas Prado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Ricardo Lodi Ribeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentará seu parecer no dia 4. Cardozo terá nova oportunidade de se manifestar aos senadores no dia seguinte. Está marcado para o dia 6, uma sexta-feira, a votação do parecer pela comissão. Com isso, será possível realizar a votação sobre a admissibilidade do processo no dia 11. Se a maioria dos senadores votar a favor da abertura do processo, Dilma será afastada por até 180 dias para que o Senado proceda o julgamento de mérito. Para que Dilma seja afastada definitivamente, ao final, será preciso o voto de 54 dos 81 senadores.

A denúncia feita pelos juristas aborda temas como as primeiras delações na Operação Lava-Jato, como a do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, e as pedaladas fiscais desde 2014, ano em que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas da presidente. Mas por decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), só foi admitida por aquela Casa a parte que trata das pedaladas fiscais de 2015, relativas ao banco Safra, e de seis decretos de crédito suplementar assinados por Dilma sem autorização prévia do Congresso. Na votação da Câmara, 367 dos 513 deputados apoiaram o impeachment.


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