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Comissão da OEA questiona métodos da polícia paulista

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WASHINGTON – O debate sobre as denúncias de violência e excesso policial por parte do governo paulista no fim do ano passado, quando estudantes ocuparam escolas contra a reorganização da malha educacional do estado, gerou duros questionamentos de Margaret May Macallay, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). A comissária afirmou na audiência sobre o tema, na manhã desta quarta-feira em Washington, que o governo paulista não pode “cruzar a linha” e que houve violações de direitos humanos quando a polícia entrou nas escolas ocupadas.

— Qual o treinamento dos policiais sobre direitos humanos? Temos que lembrar que são crianças que estavam protestando. Não teria sido melhor conversar que mostrar armas para eles? — questionou a comissária jamaicana, que antes pediu para ouvir relatos dos jovens que foram testemunhar as denúncias de abusos.

A audiência teve um tom mais emotivo que o usual, por causa dos vídeos e dos testemunhos apresentados, e ultrapassou o tempo limite. No início, Camila Marques, diretora da ONG Artigo 19, expôs o que ela diz ser “uma repetição recorrente” de violações ao direito de protesto no Brasil, sobretudo em São Paulo.

— O que ocorreu não foi isolado, foi um uso sistemático e persistente do uso da força para reprimir manifestações pacíficas — disse ela, que afirmou ser a terceira vez que sua ONG representa o Brasil por causa destes abusos.

Depois um vídeo exibindo imagens do uso de força pela PM, com cacetetes, utilização de gás lacrimogênio e bombas de efeito moral contra os estudantes, mães e estudantes apresentaram seus relatos.

— Foi muito triste ver meu filho, ao vivo pela televisão, ser algemado de forma violenta e sem motivo. Quando cheguei na delegacia, sofri todos os tipos de violações. Os policiais diziam que já me conheciam, que sabiam onde eu morava. O policial agressor que fez a ocorrência de meu filho por desacato dizia que ele havia se machucado porque ficou se debatendo no chão, negando as agressões — disse ​Teresa Cristina Lopes da Rocha, chorando. — O delegado disse que não faria Boletim de Ocorrência contra os policiais, que eu deveria procurar o juiz, mas fomos humilhados, os policiais tiravam fotos da gente, diziam que sabiam onde morávamos, me chamavam de vagabunda.

— Não entendia por que os policiais tinham tanto ódio contra nós, estudantes que poderíamos ser seus filhos — disse o estudante Igor Miranda, de 17 anos, que afirmou que a polícia batia nos jovens e empurrava estudantes com os cabos de suas metralhadoras. — Os policiais cercavam as escolas, não deixavam a gente que estava lá dentro conversar com nossos pais, com os advogados, não deixavam nem mesmo chegar alimentos para nós.

Na sequência, foi a vez do governo paulista apresentar suas defesas. Elival da Silva Ramos, procurador-geral do estado, defendeu a reforma educacional, afirmando que muitas escolas estão com baixa utilização por causa da queda da taxa de natalidade, e que isso afeta não apenas os cofres do estado como a qualidade do ensino. Ele negou a existência de abusos e disse estranhar que nenhuma organização tenha denunciado isso diretamente nos canais oficiais — fato contestado pela réplica dos acusadores da Artigo 19.

— Alguns casos podem ter ocorrido pontualmente? Não se sabe. Nós não recebemos nenhuma denúncia. Se estes fatos ocorreram, que sejam levados ao órgão do estado brasileiro — disse.

Ele afirmou que há o direito à manifestação, mas que não há o direito de ocupar as escolas:

— O que não há em nenhum lugar do mundo é o direito de ocupar prédio público. Soubemos de depredação de prédios escolares, houve prejuízo de R$ 2 milhões para o governo do estado de São Paulo — disse Ramos, que ainda afirmou que havia indícios de que o protesto dos estudantes estava sendo “infiltrado” por membros do “blacks blocs”, grupos violentos que ficaram famosos nos protestos de junho de 2013. — Muitos alunos que não concordavam com as ocupações tiveram seus direitos de ir a aula suspensos por causa delas.

Nos slides apresentados pelo governo paulista, havia fotos com a legenda “movimento pacífico = estado pacífico”. Ele disse que a polícia tinha de agir pelas manifestações públicas em locais como a Avenida Paulista, pois “é uma artéria importante que leva a diversos hospitais” e que as manifestações não respeitaram o princípio de “consulta prévia” às autoridades.

— Houve a perturbação de ordem social e trânsito. Fomos chamados para desobstruir as vias — disse ele, que afirmou que o policial paulista tem formação de “polícia comunitária e direitos humanos” e que as denúncias poderiam chegar ao Judiciário ou ao Ministério Público, que são independentes. Ele afirmou que a reorganização das escolas já havia sido debatida com os alunos.

— Acredito que foi uma discussão interessante, a democracia no Brasil é muito nova e a população e o estado estão aprendendo com as manifestações. O importante é o diálogo — disse Ramos ao final da audiência, defendendo que o Congresso aprove uma “lei federal” que regulamente claramente o direito às manifestações.

Além de Margaret, outros comissários se pronunciaram e questionaram o excessivo uso da força para manifestações pacíficas. José de Jesus Orozco Henriquez quer saber que medidas os governos do Brasil e de São Paulo estão efetivamente tomando para evitar abusos.

A aluna Fabiana Moderato, de 17 anos, afirmou esperar que a audiência sirva para que o mundo e o Brasil saibam o que ocorre em São Paulo:

— Assim que pousamos aqui ontem (na quarta-feira), soubemos que a polícia agiu com violência em um protesto de estudantes secundaristas — disse.

A audiência da CIDH visa promover o diálogo entre as partes. Caso não surja uma solução, uma ação pode começar a tramitar dentro do órgão. Mas Camila Marques, da Artigo 19, disse que é muito difícil cumprir todos os requisitos para iniciar um caso da CIDH, que demora anos para ser julgado.


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