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Tentativa de suicídio, cusparadas na cara e gol recente como o mais belo da vida: Baiano passa a carreira a limpo

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A morte da mãe três meses após a partida do pai, e a chegada em casa após o velório com todos os pertences na rua num cumprimento de uma ordem de despejo revelam o tom dramático de uma parte da vida de Baiano, jogador com passagens por gigantes do futebol como Boca Junios, Palmeiras, Santos, Vasco, entre outros. O ano de 1995, no entanto, reservaria provação maior, quando o então atleta da base do Peixe tentou se matar ao se jogar na frente de um ônibus. Daquele episódio ficaram muitos calos que ajudaram a suportar momentos duros que viriam pela frente. Na passagem pela Argentina, as cusparadas na cara se misturavam com o racismo puro e escarrado principalmente porque, na mesma época, estourava no Brasil o caso Grafite x Desábato, quando o argentino saiu preso do Morumbi por ter chamado o então atacante do São Paulo de macaco. Brasileiro e negro, Baiano sofreu as consequências do outro lado da fronteira. Mas também não esquece o dia em que Maradona pediu a camisa dele após um gol.

Na Rússia, chamou atenção de crianças russas que nunca haviam visto um negro pela frente: “Só no cinema”, lembra Baiano, que garante não ter sofrido preconceito no país-sede da próxima Copa do Mundo. Hoje com 38 anos, Baiano ainda remexe as dores da perda do pênalti durante disputa que eliminou o Gama recentemente do Campeonato Candango. Mas se consola com um gol marcado semanas antes que ele classifica como o mais bonito da carreira, numa falta cobrada do círculo central (veja o gol abaixo). Ídolo do futebol de Brasília, ele será emprestado ao Luiziânia para disputar a Série D do Campeonato Brasileiro que começa em breve. 

Nesta entrevista concedida na concentração do Gama em Brasília, Baiano passa a carreira a limpo, lembra dramas e alegrias e garante que ainda não é hora de parar. Confira!

Baiano

Qual é o segredo para jogar até os 38 anos?

 

A preparação física. Nesses 21 anos como profissional nunca tive uma lesão grave, nunca precisei fazer nenhum tipo de cirurgia. O vigor físico sempre me caracterizou, por isso é fundamental se cuidar fora de campo. Por ser uma pessoa evangélica, eu sempre tive horário para dormir e cuidei da alimentação e do descanso. Isso tem me ajudado. 
O que faz de diferente hoje que não fazia antes?

Hoje eu canso mais porque, antes de casar e ter filhos, era treinar, jogar e descansar em casa. Hoje é acordar todo dia às 6h, levar as crianças no colégio e buscar. Coisa que antigamente eu não tinha. Nos clubes grandes, com jogo quarta e domingo, não dava para participar de reunião de pais no colégio e ir a festinhas com os filhos. Como hoje jogo só um jogo por semana, tenho tempo e mais qualidade de vida.

Outro dia você fez um gol antológico. Como conseguiu fazer um gol de falta de tão longe? Meu telefone não parou de tocar depois que o gol passou no Globo Esporte. Parado nessa distância…. foi o mais longe e o mais bonito da carreira. (Vale Puskas?) Quem sabe né? Seria um grande prêmio. 
Desde quando você se sente um veterano como jogador?

Desde quando completei 33 anos, há cinco anos. Eu tinha me programado na carreira para encerrar quando chegasse a 32, 33 anos. Aproveitei os momentos que tive nos grandes clubes, nunca fui um craque, mas sempre fui um jogador vencedor que usou muito o porte físico. Então eu achava que, com 33 anos, eu não conseguiria manter o mesmo nível. Graças a Deus aqui em Brasília eu tenho conseguido isso, fui bicampeão candango sendo escolhido o craque do campeonato em 2013 e 2015. Então esses desafios têm me motivado. O dia em que eu estiver atrapalhando mais que ajudando vai ser o momento de dizer que é o momento de parar. 

A sua passagem pelo Boca Juniors é muito comentada. O que você lembra daquele período?

A  minha ida para o Boca Juniors foi uma coisa inesperada. Eles foram num jogo Palmeiras x São Caetano para observar o Pedrinho, que jogou no Vasco, e o Marcinho, meia do São Caetano. Vencemos por 3 a 1, eu fiz uma partidaça. Quando acabou o jogo, o presidente do clube, que hoje é o presidente da Argentina, Mauricio Macri, por volta de uma hora da manhã me ligou e falou: “Olá, Baiano”. Eu até brinquei: “Se você é o Mauricio Macri, eu sou o Pelé”. Chegando no Boca, foi muito bacana porque eu fiquei impressionado com a estrutura. Foi no centenário do clube, me lembro que o Maradona estava internado, passando um momento difícil. E quando ele ia no estádio, meu Deus, a torcida fazia campanha, tinha um aparato todo especial para levá-lo ao jogo. No jogo contra o Sporting Cristal, eu fiz um gol, o estádio veio a baixo. Quando acabou o jogo ele desceu lá, pediu a minha camisa, eu tirei foto com ele. Foi uma emoção, uma sensação maravilhosa.
Eu estava no meu melhor momento, até fisicamente, estava com possibilidade de voltar à seleção brasileira. Me trataram como se eu fosse um superstar. E jogar com Palermo, Abondanzieri, Schelotto… ganharam tudo no Boca Juniors. Até aquele episódio do Grafite eu estava no céu. Após o episódio do Grafite, quando o Desábato foi preso dentro do Morumbi, acabou que eu, por ser negro e o único brasileiro, estar jogando naquele momento no Boca Juniors, eu virei o Grafite. Nada com torcida, mas sim com jogadores argentinos. Toda vez que o Boca ia jogar contra o Quilmes, o Banfield, o Argentino Juniors, os jogadores vinham pra me quebrar com a raiva que eles tinham do Grafite pelo Desábato ter ficado uma semana preso. Eu tinha duas coincidências: ser brasileiro e negro. E o Desábato ser argentino e branco. Mas fora isso a minha família foi muito bem tratada, foi um momento marcante para a minha carreira e para a minha vida. Infelizmente eu paguei para sair do Boca, voltei para o Palmeiras na véspera de jogar uma final de Sul-Americana contra o Internacional. Eu poderia ter ficado mais, mas pela chateação e ter perdido o prazer de jogar futebol naquele momento, eu decidi voltar ao Brasil. 

Baiano capa olé

O que aconteceu mais especificamente que te fez deixar o Boca?

Eu era ofendido pelos jogadores adversários. O lance estava do outro lado, eles escarravam na minha cara. Falavam “olha” e quando eu olhava eles cuspiam. Aí eu fui perdendo a paz, comecei a xingar muito, a dar porrada. Perdia o foco do jogo, porque o cara cuspia e depois eu queria pegar o cara de todo jeito. Isso tirou a minha paz. 

Foi o seu pior momento no futebol?

Foi porque antes de eu ter me tornado um atleta profissional, eu perdi meus pais muito cedo. Eu era camelô, vendia meia, cueca, isqueiro, milho assado, cozido, acendedor de fogão, leque chinês… Então eu saí de Capim Grosso, na Bahia, para ir para Santos trabalhar como camelô. Em 93 entrei para o infantil do Santos, fui campeãao paulista em 94, mas em 95 eu tive as minhas maiores perdas. Perdi meu pai, três meses depois eu perdi a minha mãe. Foi quando eu me joguei na frente de um ônibus e tentei o suicídio. Eu tentei tirar a minha própria vida. Depois de ter perdido tudo, fui despejado, fui morar na favela Caneleira. 

Subi para os profissionais em 96. O Santos tinha sido vice-campeão brasileiro em 1995, perdedo a final para o Botafogo. E tinha sido meu pior ano, sem pai, sem mãe, e ainda vem o Santos no final do ano perder aquela final da forma que foi. Em janeiro, o Candinho assumiu o Santos, foi ver a Taça São Paulo, me viu jogando e gostou. Então eu saí, de quatro meses atrás, de ter perdido o meu pai, minha mãe, e ter tentado o suicídio e ter sido despejado, a estar concentrado num hotel cinco estrelas. Olhava para o lado e via Giovanni, que era chamado de Messias, Jamelli, Robert, então eu disse “Meu Deus, isso aqui é muito bom. Nunca mais tento tirar a minha vida de novo. Não é que eu ganhava um grande salário, na época era 60 reais, depois foi para 80. Não era pelo salário. Mas é que, como camelô, eu comia um cachorro quente com suco e cafezinho preto. E no Santos era café, almoço, todo tipo de fruta, de doce. Eu pensava: “essa vida de jogador é muito boa”. 

Esse episódio da tentativa de suicício. Como aconteceu?

 

Minha mãe tinha acabado de falecer. Nós enterramos ela e, quando voltamos para o casarão, todas as nossas coisas estavam na rua. Porque a gente não pagava o aluguel havia uns três meses. A gente comprava remédio para a minha mãe e deixava de pagar o aluguel. Ainda tivemos que pegar dinheiro emprestado para que a minha mãe não fosse enterrada como indigente. Uma situaçãao muito difícil. Eu sou o caçula de seis irmãos. Muito novo, 14 pra 15 anos. Então quando a gente voltou do cemitério e as nossas coisas todas na rua. Então a gente perguntou: pra onde vamos? Na minha cabeça, pensei: “se eu morrer, vou evitar todo esse sofrimento. Vi um desses coletivos vindo em velocidade e me joguei na frente. Quando me joguei caí lá embaixo. O motorista brecou, mas não deu tempo. Eu cortei a cabeça, fiquei com o nariz sangrando. Eu fiquei todo dolorido, mas não quebrei nada. Saí correndo e fui para a praia, que era o único lugar onde eu ia conseguir tomar um banho todo sangrando. Quando entrei na água, estava tão desnorteado que até esqueci que tinha um chuveirinho na praia. 

Na Rússia você enfrentou algum tipo de preconceito?

Não, não. Graças a Deus. Eu não saía muito porque lá tinha os hooligans, os skinheads. Eu tinha muito medo, então era de casa pro treino e do treino pra casa. Não passei (racismo) da população. A única coisa que aconteceu mais de inocente, de criança, foi quando eu estava na praça Vermelha com a minha família, eu já sabia falar um pouco do russo. Fomos tirar aquela dia de passeio. Eu me lembro como se fosse hoje. Vieram três crianças e falaram assim: “mamãe, mamãe, esse rapaz é muito negro”. Aí eu falei que eu era muito negro, mas muito bonito. Os pais ficaram meio sem jeito porque os filhos nunca tinham visto um negro, só em filme. E eles não sabiam como me pedir perdão. Eu falei: “Não, não”. Abracei eles, tirei foto. Eles me tocavam, e eu falava: “Sou de verdade, pode me tocar”.  Nunca tinham visto um rapaz negro frente a frente. 

O que vem na cabeça quando você pensa nos melhores momentos da sua carreira?

 

Quando eu fui campeão paulista juvenil em cima da Ferroviária, com um gol do Gustavo Nery, que depois se tornou um grande lateral-esquerdo, a gente estava na comemoração lá e minha família: “Tá bom, mas não pintou dinheiro?”. Porque a minha família tinha deixado naquele dia de vender água e refrigerenate na praia porque era domingo. Então o que me vem na cabeça às vezes quando eu estou com a minha esposa é que eu começo a dar risada sozinho com ela. Ela pergunta: “O que aconteceu?”. Não, to lembrando aqui. A tranquilidade que nós temos hoje. Sou muito grato ao Gama porque vim de um rival, o Brasiliense, o Gama não era campeão havia 12 anos.
 

Mais quantos anos de carreira pela frente?

 

Eu achava que esse ano de 2017 seria meu último. Gostaria de encerrar a minha carreira sendo campeão candango. Mas infelizmente na hora dos pênaltis não tivemos a capacidade de vencer o Paracatu. Não posso encerrar a minha carreira errando um pênalti, não. Pelo que tenho corrido, não posso acabar a carreira dessa maneira. Não paro, não. Com certeza vocês vão ver o Baiano jogando até o ano que vem. 

Encerrando a carreira de jogador, quais os planos?

 

Eu tenho a minha escolinha aqui. Pelo menos mais uns doiss anos vou ficar em Brasília. Depois vou voltar para a minha base, que é Santos. Mas estar sempre no meio do futebol, como treinador, como auxiliar, alguma coisa. Vou estudar bastante para ser um grande treinador. 

Matéria do Blog http://globoesporte.globo.com/blogs/especial-blog/pombo-sem-asa/1.html


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