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Noites cada vez mais mal dormidas

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RIO – Estresse, demandas e estímulos digitais da vida moderna estão fazendo as pessoas dormirem pouco e mal. A tendência, verificada em diferentes estudos, foi comprovada por uma pesquisa global que usou dados sobre hábitos de sono compartilhados voluntariamente por usuários de um aplicativo para smartphones criado especialmente para ajudá-las a combater os efeitos do chamado jet-lag, o mal-estar que sentimos quando viajamos e mudamos abruptamente de fuso horário. Segundo os cientistas da Universidade de Michigan, nos EUA — criadores do aplicativo, batizado Entrain e lançado em 2014 —, idade, gênero e nacionalidade parecem ter forte influência na quantidade de sono e no horário em que as pessoas dormem ao redor do mundo.

De acordo com o levantamento, que contou com dados de mais de 5,4 mil pessoas de mais de 100 países e publicado ontem no periódico científico “Science Advances”, Cingapura, Japão e Brasil, nesta ordem, são onde menos se dorme entre os 20 países com maior número de participantes na pesquisa. A média entre as pessoas nestes locais ficou em torno de sete horas e meia de olhos fechados por noite. Enquanto isso, os holandeses são os que têm o maior período de sono diário: oito horas e 12 minutos. Já levando em conta os dados globais, os homens de meia-idade são os que menos dormem, frequentemente descansando abaixo das recomendadas sete a oito horas por noite. Além disso, na média global, as mulheres contabilizam cerca de 30 minutos a mais de sono diário que os homens.

O estudo revelou também que embora responsabilidades como trabalho, estudo e o cuidado com as crianças tenham um importante papel na determinação da hora que acordamos, as tendências populacionais indicam que há diferentes fatores. De acordo com a pesquisa, o horário do despertar ainda acompanha de perto o que é conhecido como ciclo circadiano, nosso relógio biológico regulado pelo nascer e pôr do Sol.

Por outro lado, é a hora de dormir que mais sofre com as pressões culturais e os avanços tecnológicos, sobrepujando o ciclo natural de dia e noite. Segundo os cientistas, iluminação artificial, TV, computadores, tablets e afins, além de compromissos sociais, estão fazendo as pessoas irem para cama muitas horas mais tarde. E esses dois fenômenos juntos se traduzem em menos horas de sono do que o desejável ou necessário.

O levantamento mostrou também que quem passa pelo menos uma parte do dia exposto à luz natural do Sol tende a dormir mais cedo e por um período mais longo do que quem vive quase todo o dia ou exclusivamente sob iluminação artificial.

— Por toda parte, parece que a sociedade governa a hora de ir para a cama, e dormir mais tarde está ligado à perda de horas de sono — diz Daniel Forger, professor da Universidade de Michigan e autor sênior do estudo. — Ao mesmo tempo, observamos um forte efeito do relógio biológico dos usuários (do aplicativo) no seu horário de despertar, e não apenas dos seus alarmes. Assim, esses achados nos ajudam a quantificar o cabo de guerra entre nossos relógios solares e sociais.

Os pesquisadores lembram ainda que a quantidade e a qualidade do sono são muito mais importantes para nosso bem-estar do que as pessoas imaginam. Eles citam um estudo recente do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos EUA, segundo o qual um em cada três adultos americanos não dorme o mínimo recomendado de sete horas. Isto se traduz em maior risco de obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, derrame e estresse, entre outros problemas de saúde.

— Não são necessários muitos dias de sono insuficiente para que você esteja funcionalmente bêbado — destaca Olivia Walch, coautora do estudo e criadora o aplicativo. — Várias pesquisas já mostraram que estar demasiadamente cansado pode ter este efeito. O assustador é que as pessoas acham que estão desempenhando suas tarefas melhor do que de fato estão. O desempenho delas cai, mas sua percepção da própria performance, não.

Especialista em medicina do sono e integrante da diretoria da Associação Brasileira do Sono (ABS), Andrea Bacelar ressalta que, embora os achados da pesquisa com o aplicativo repliquem em grande parte as informações já conhecidas de outros estudos, eles dizem respeito principalmente a padrões normais e/ou ideais de sono dos participantes. Segundo ela, o levantamento deixou escapar a parcela estimada em 60% das pessoas em todo mundo que sofrem com algum tipo de distúrbio do sono.

— Acontece é que, em geral, a população dorme mal, dorme pouco e são poucas as pessoas que têm a quantidade e qualidade adequada de sono — conta. — Por exemplo, entre os 40% que dormem bem, respeitam seu ritmo biológico etc, realmente vemos esta diferença entre os gêneros mostrada na pesquisa, com as mulheres geralmente dormindo mais que os homens. Mas, na média mundial, 20% das pessoas sofrem com insônia crônica, numa proporção de três mulheres para cada homem, sendo que elas são mais acometidas por fatores muitas vezes culturais, devido a obrigações familiares e domésticas, e por estarem mais sujeitas a transtornos de humor.

Não existe recuperar o “sono perdido”

Para Andrea, porém, o principal problema relativo ao sono nos dias atuais é a privação voluntária, seja por motivos profissionais ou sociais.

— É o que se chama de sono insuficiente, em que a pessoa dorme menos do que seria o ideal para ela por conta da vida moderna — aponta. — Todo mundo está dormindo menos. Hoje, a claridade no planeta é maior e tudo funciona 24 horas, o que atrapalha o sono. E esta privação terá um custo lá na frente, na forma de ganho de peso, maior risco de acidentes, depressão, doenças como hipertensão, diabetes e alterações nos níveis de colesterol e envelhecimento precoce.

Por fim, Andrea lembra que não adianta dormir menos durante a semana e tentar compensar o “sono perdido” no fim de semana.

— Humanos não hibernam; sono perdido é sono perdido — afirma. — Simplesmente somar as horas de sono a menos do ideal da semana durante o fim de semana não é uma estratégia válida, não é assim que nosso corpo funciona. Para dormir bem, o melhor é sincronizar o máximo o seu horário com o nascer e o pôr do Sol e respeitar o seu ritmo biológico, sua preferência individual por horários e tempo total de sono.


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