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Mudança de neurocientista da UFRJ para EUA divide pesquisadores

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RIO — O anúncio da neurocientista Suzana Herculano-Houzel de que deixaria o país para conduzir seus estudos no exterior dividiu a comunidade científica. Em entrevista ontem ao GLOBO, Suzana enumerou críticas às limitações enfrentadas por pesquisadores brasileiros, principalmente a falta de recursos para os laboratórios, que poderiam resultar em artigos de pouca repercussão internacional. Por isso, seria “ilógico” ver o Brasil na elite da ciência.

Diretora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcia Barbosa acredita que a transferência de um pesquisador para outro país é uma decisão pessoal e diz que Suzana “está contundente demais para quem fez as malas e quer ir embora”.

A física ressalta que toda a sua formação, do ensino fundamental ao pós-doutorado, foi realizada no país. Por isso, sente que tem uma dívida com o Brasil. Dois meses atrás, Marcia recusou um convite para trabalhar em uma universidade australiana.

— Sou filha da escola pública brasileira. Ganhei bolsas e tive oportunidades para estudar — conta. — Uso meu acesso ao meio acadêmico internacional para promover o Brasil. Não é fácil trabalhar aqui. Não é um país para amadores. Conseguir dinheiro é um processo difícil e burocrático, mas precisamos buscar soluções, como um projeto para a ciência de longo prazo, que não se restrinja a um mandato político. Se falarmos apenas do lado negativo, os jovens não estudarão ciência e matemática.

Diretora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP, Mayana Zatz avalia que a saída de Suzana é “uma grande perda para o Brasil”.

— Algum tempo atrás, não conseguíamos atrair os pesquisadores que foram estudar no exterior. Agora, estamos perdendo profissionais — lamenta. — Acredito que a ciência brasileira ainda é respeitada lá fora, mas, se continuarmos nessa situação de penúria, daqui a pouco seremos considerados um país de segunda categoria.

DEFASAGEM TECNOLÓGICA

Mayana defende que o governo ofereça incentivos fiscais para que o setor privado invista na produção científica. No cenário atual, em que são dependentes dos escassos financiamentos públicos, os pesquisadores não conseguem “provar suas hipóteses”. Enquanto isso, cientistas de países desenvolvidos têm os recursos tecnológicos necessários para testar os seus trabalhos.

— Sofremos até para importar insumos básicos para as pesquisas, que demoram meses para chegar e estão vez mais caros, devido à alta do dólar — revela Mayana, que, na década de 1980, recusou convite para trabalhar na Universidade da Califórnia em Los Angeles, onde havia concluído seu pós-doutorado. — Tive muitas dúvidas, mas achei que aqui poderia fazer diferença. Não me arrependo de ter voltado.

Para o paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ, Suzana personifica “a esmagadora maioria dos cientistas brasileiros, exaustos com as condições precárias de trabalho e as dificuldades enfrentadas no dia a dia”.

— Não sei quantas suzanas seremos forçados a perder por causa da miopia do poder público — admite Kellner, que já recebeu ofertas para trabalhar em instituições dos EUA e da Alemanha. — Quando recebo cientistas estrangeiros no Rio, evito levá-los no museu, porque sinto vergonha. O telefone só funciona de vez em quando. A conexão da internet é um inferno. Chove dentro do meu laboratório, porque o vidro da janela está quebrado. Sinto raiva e frustração, mas ainda tenho esperança.


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