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Encontros de domingo: Luana Génot

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RIO — À primeira vista, parece contraditório entrar na casa de Luana Martins Génot, 27 anos, pele negra e imponente black power emoldurado por uma tiara, e dar de cara com o controverso boneco com o mesmo penteado que foi colocado na cozinha do Big Brother Brasil 16 para servir de esponja. Na casa onde mora com o marido, o jornalista francês Louis Génot, em Jacarepaguá, ele é apenas “o Rui”, explica ela, com seu tom de voz quase infantil:

— Agora dizem que ele é uma esponja. Isso é um absurdo. Eu achei que fosse um microfone. Sabe? Aquela capinha! Quando eu comprei, pensei: “um bonequinho preto, com um cabelo black igual ao meu”. Sou muito carente de referências. Sempre tive Barbies louras quando era pequena.

A inocência, entretanto, não vai além do entusiasmo de menina com seus “bonequinhos negros” (a mais recente aquisição foi a miniatura de Finn, protagonista de Star Wars).

Parcerias ilustres

Nos últimos anos, Luana se tornou uma das principais vozes jovens brasileiras contra o racismo. Em 2015, criou o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), marca de roupas do país destinada a questionar, com suas estampas, o preconceito racial dentro e fora do mundo da moda.

Carioca criada na Penha pela mãe, a enfermeira Ana, Luana é uma ex-modelo que morou na Europa e sofreu durante a carreira de quase três anos, dos 17 aos 20, pequenas e grandes manifestações de preconceito de agências, marcas e dos próprios colegas.

Este ano, sua marca se torna ONG, que vai licenciar o símbolo usado em suas estampas — um coração preenchido por bordados com diversos tons de pele, do bege mais claro ao marrom mais escuro — para que outras grifes possam comercializar peças com o desenho (que está na camiseta vestida por Luana na foto que ilustra esta reportagem). A ideia é usar uma estratégia parecida com a Campanha “O câncer de mama no alvo da moda” (a famosa estampa azul com círculos concêntricos). Luana faz parte do grupo Mulheres do Brasil, que reúne influentes empresárias brasileiras, e recebe uma espécie de consultoria de grandes empreendedoras para seu projeto: Leila Velez, sócia da rede Beleza Natural, Sonia Hess, da marca Dudalina, e Luiza Trajano, proprietária da Magazine Luiza.

Aos oito anos, era xingada na escola

O racismo incomodava a jovem desde criança, ainda que, naquela época, combatê-lo não fosse uma bandeira para a menina alta, magrela e com cabelo “que não balançava”. Aos oito anos, precisou mudar de escola porque não aguentava mais ser chamada de “saci” por uma das colegas do Colégio São Fabiano, na Penha. Também costumava escutar xingamentos como “macaca” e “Bombril”.

— A diretora disse que era apenas “brincadeira de criança”. Foi nessa época que eu comecei a usar química no cabelo — recorda.

Ela passou a adolescência se achando a mais feia da escola, até que, aos 17, já interessada em ser modelo, conheceu em um desfile do Fashion Rio a estilista francesa Nadine Gonzalez, que ficou encantada com Luana. Três meses depois, a garota embarcava para uma turnê de três semanas de desfiles do projeto “Moda Fusion”, de Nadine, na Bélgica e na França, com quatro jovens do projeto Lente dos Sonhos, da Cidade de Deus. Luana acabou “roubando” a vaga de uma das meninas da favela, o que provocou a antipatia das colegas. Nos desfiles e ensaios, ela começou a perceber que, sobre as modelos negras, recaía uma espécie de estigma:

— A negra, na moda, ainda está associada a contextos muito limitados. O nosso trabalho estava relacionado a favela. Ou isso, Africa, exotismo, baile funk ou religiosidade — explica.

Ao voltar para o Brasil, ingressou na agência 40 graus em São Paulo e, meses depois, agenciada por outra empresa, foi morar em Paris. Passou pouco mais de um ano dividindo-se entre França, Inglaterra e África do Sul. Na Europa, fez trabalhos para grifes como Paco Rabanne e Yves Saint Laurent. Lá aprendeu que agências importantes costumam ter, entre 300 modelos, apenas duas negras.

— Fui na Ford Models e o booker me deixou sentada em um lugar. Passaram 100 garotas e eu nunca era chamada. Aí ele falou no final: “vou te dar uma real. Você é muito bonita, mas tem um problema. Você é negra — diz Luana, que nunca esqueceu do recado.

Decidida a não se submeter mais aos padrões da indústria, Luana voltou para o Brasil e cursou publicidade. A vontade era entender o que bloqueava o interesse da mídia pelos negros. Hoje, dá palestras: a próxima é um encontro do TED, em São Paulo, no dia 30, sobre racismo e empreendedorismo.

Também costuma aconselhar muitas meninas negras nas conversas. Pede que elas se valorizem desde cedo. Para a ex-modelo, a descoberta da autoestima, ainda que tardia, atingiu seu auge quando, há quatro anos, já longe das passarelas, ela decretou independência e aboliu, orgulhosa, o relaxamento que lhe domava os cabelos.


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