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Delegacias podem receber a ajuda de condenados a penas leves

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RIO – Em março, um incêndio destruiu o terceiro andar da 5ª DP (Gomes Freire). A hipótese mais veiculada na época foi a de que um curto-circuito num aparelho de ar-condicionado teria sido a causa. Na noite de quinta-feira, outro revés: o teto de gesso do segundo andar, onde funcionava a central de inquéritos, foi abaixo por causa de infiltrações — parte delas provocada pelas águas de chuvas que entraram pelas janelas quebradas do pavimento incendiado, ainda à espera de reparos. A unidade está parcialmente interditada.

A situação da delegacia do Centro pode servir de exemplo para justificar uma orientação do chefe de Polícia Civil, Fernando Veloso. Para driblar a penúria em que se encontram os cofres da corporação, devido à crise financeira do estado, ele está propondo a delegados que firmem acordos com Juizados Especiais Criminais (Jecrims), com a finalidade de manter as unidades funcionando adequadamente através, por exemplo, de objetos comprados por réus de crimes considerados de menor potencial ofensivo ou por meio de serviços prestados por eles.

São exemplo de delitos de menor potencial ofensivo contravenções penais e crimes cujas penas sejam iguais ou inferiores a dois anos de reclusão, como desacato, lesão corporal leve, rixa, ameaça, violação de domicílio, dano, resistência, desobediência, desacato, direção perigosa e dirigir sem habilitação, entre outros.

O procedimento proposto por Veloso, chamado de transação penal, é uma prerrogativa de promotores de Justiça que atuam nos juizados especiais, criados em 1995. Mas, com exceção de uma iniciativa isolada, começada em 2013, nenhum deles havia incluído unidades públicas, como delegacias, batalhões da PM e quartéis do Corpo de Bombeiros, como beneficiárias desse instrumento. São sempre instituições de caridade e ONGs, por exemplo.

DELEGACIAS LISTAM ARTIGOS NECESSÁRIOS

Ontem, numa reunião com representantes da cúpula da Polícia Civil, o promotor Walter Santos, coordenador do Centro de Apoio às Promotorias Criminais, disse que, a partir de agora, todos os promotores dos Jecrims do estado serão orientados a incluir na lista de beneficiados pelas transações penais os sete Departamentos de Policiamento de Área (DPAs). Eles ficarão responsáveis por receber doações de réus e distribuí-las às delegacias. No encontro, Walter recebeu uma lista de produtos usados por peritos (como algodão, luvas, esparadrapo e álcool gel) e também de artigos em escassez nas delegacias (como canetas, clips, copos d’água, envelopes e papel-ofício).

— Essa questão das transações penais fica a critério dos colegas promotores. E, normalmente, há um certo receio de se destinar recursos a uma entidade que deveria receber do estado as condições necessárias para trabalhar — informou o promotor Walter Santos. — Sempre se optou por entidades assistenciais. Mas, diante do cenário que se apresenta, precisamos ajudar de alguma forma.

Em 2013, a estratégica começou a ser usada pelo promotor de Justiça Márcio Almeida Ribeiro da Silva, titular da Promotoria de Justiça junto ao IX Jecrim (Barra da Tijuca), que considerou justa a ideia de converter sanções em compras de objetos utilizados diariamente nas instituições que servem ao sistema judicial, como delegacias, por exemplo. E, desde então, distribui as prestações pecuniárias e de serviços entre a 16ª DP (Barra), o 31º BPM (Recreio dos Bandeirantes), o Grupamento de Busca e Salvamento (GBS) e o 2º Grupamento Marítimo (GMar). Atualmente, Márcio Almeida inclui entre as unidades beneficiárias a 42ª DP (Recreio) e a Divisão de Homicídios da Capital, que fica na Barra.

— Evidentemente, com a crise atual do estado, os objetos que vêm sendo entregues nos órgãos públicos têm sido relevantes ao funcionamento das unidades. Mas a ideia e a essência do projeto não têm relação com crise econômica, até porque àquela época (2013) não se falava em crise, mas sim em apresentar uma proposta em que o sistema judicial pudesse se retroalimentar, com a conversão das sanções em doação de objetos utilizados diariamente nas suas estruturas. Ou seja, papel, canetas, impressoras, toner, equipamentos usados em investigações, móveis para as unidades etc — comentou Márcio Almeida.

O promotor explicou que a transação penal é um instrumento usado para oferecer ao réu a possibilidade de extinção de seu processo. Caso ele a aceite, deve adquirir e entregar à unidade indicada objetos cujos valores, estabelecidos pelo Jecrim, podem ir de um a quatro salários mínimos ou mais, dependendo da condição sociofinanceira do réu. Pode ainda prestar serviços em alguma unidade. Para ter direito à transação penal, ele deve ser primário e ter bons antecedentes. Além disso, só poderá se beneficiar do procedimento uma vez a cada cinco anos.

De 2013 até hoje, foram oferecidas 1.600 propostas de transações penais, segundo Márcio Almeida. Entre elas, a que levou Rafael Hermida Fonseca, de 34 anos, flagrado por uma câmera de segurança agredindo as cadelas de estimação da então noiva, a produtora Ninna Mandin, de 26 anos, a prestar serviços no canil da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, cuidando dos animais. A transação também incluiu a compra de suprimentos para o canil, no valor de R$ 5 mil. No entanto, segundo Márcio Almeida, o réu não cumpriu o combinado e foi denunciado à Justiça, podendo ser condenado, pelo crime de maus-tratos contra animais, a uma pena de três meses a um ano de detenção, além de multa.

RÉUS TRABALHAM EM QUARTEL DA PM

No 31º BPM, três réus que aceitaram transações penais têm controladas as horas de prestação de serviços. Eles trabalham de quatro a cinco horas sempre que vão lá, fazendo, basicamente, limpeza e pintura. Recentemente, o coronel Sérgio Schalioni, comandante do batalhão, solicitou ao Jecrim material para a construção de uma guarita na unidade. A obra já está em andamento.

No XV Fórum de Segurança Pública da Barra da Tijuca, realizado terça-feira passada, Fernando Veloso tocou no assunto, apontando a parceria com o Ministério Público como uma saída para driblar a crise. Ele chegou a citar o exemplo da 16ª DP. Por meio de nota, o chefe de Polícia Civil esclareceu a ideia: “A gestão da Polícia Civil tem que ser realista, considerando o cenário econômico-financeiro atual pelo qual passam o estado e o país. Se não dispomos neste momento dos recursos necessários à prestação do serviço essencial à sociedade, medidas alternativas precisam ser trabalhadas (…). Nesse sentido, os delegados de polícia foram incitados (…) a buscarem essa articulação junto aos promotores de Justiça do estado. Graças a essa parceria, nas transações penais do Juizado Especial Criminal, pode haver a previsão de doação de suprimentos de escritório às delegacias, para permitir a continuidade dos serviços à população”.

Em razão disso, hoje, a 16ª DP pode ser considerada o filé mignon das delegacias do estado. No segundo semestre de 2015, quando o delegado Marcos Vinícius Braga assumiu a unidade, a 16ª DP recebeu R$ 18.500 em objetos de transações penais. E, de janeiro a abril deste ano, R$ 22.500. Foram adquiridos móveis novos, como cadeiras, poltronas e mesas, câmeras e um grande monitor com o qual os investigadores assistem, com mais nitidez, a imagens de câmeras de segurança com flagrantes de crimes. Esse monitor foi conseguido através de uma transação penal com um motorista flagrado dirigindo com a habilitação suspensa.

— Posso dizer hoje que a delegacia da Barra é um primor no que se refere ao seu mobiliário e a outros objetos necessários. Talvez seja uma das unidades mais bem aparelhadas do Rio. Não falta papel, nem impressora, nem toner. Temos cadeiras, sofás, toldos, tudo novo. Agora, já estou pedindo grampeador — contou ele. — Mas não aceitamos prestação de serviço. A delegacia é um lugar de investigações, e não gostaria de que um réu tivesse contato com o dia a dia da unidade.


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