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Delícias e sorrisos servidos de bandeja há 60 anos

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RIO — Está vendo o sorrisinho fácil na foto? É com ele que o garçom Waldir Ramos, de 78 anos, recebe os clientes da Casa Cavé, no Centro, há 38. Mas essa profissão ele abraçou bem antes, quando atingiu a maioridade e se alistou no Exército. Os militares perceberam que o soldado Ramos poderia se dar bem com as bandejas e o recrutaram para servir os oficiais.

— Meu pai tinha um armazém e eu o ajudava, tinha aquela habilidade para lidar com o público — conta.

Quando deixou o Exército, Waldir foi dar expediente no extinto restaurante Bali Hai, em Ipanema. Lá, recebia clientes ilustres, como os comediantes Costinha e Grande Otelo:

— O que Costinha era no palco era também batendo papo com a gente. Bacana, contador de piadas. Grande Otelo não era de muita conversa. Uma vez servi o refrigerante antes de a comida ficar pronta e ele me deu uma bronca.

Após uma temporada na leiteria Bol, no Centro, Waldir passou a exibir sua gravata-borboleta na Cavé. Na confeitaria portuguesa, o convívio com clientes famosos não parou. Ele recebeu o dramaturgo Nelson Rodrigues e o poeta Carlos Drummond de Andrade:

— Nelson vinha sozinho, sentava-se sempre na mesma mesa e pedia sorvete de abacaxi. Não dava intimidade. Drummond era mais humilde e sociável. Vinha com a irmã, comia torrada americana e tomava chocolate quente.

Sem querer, Drummond acabou dando a Waldir uma lembrança que ele guardou por anos com muito carinho.

— Um dia, ele esqueceu o guarda-chuva ao lado da mesa. Era preto, compridão, com cabo de louça. Guardei por um tempo, mas ele não voltou para buscar, aí levei para casa — conta o garçom, que não tem mais a peça. — Meu garoto, sem querer, destruiu. Saiu à noite e voltou com o guarda-chuva arrebentado. Fiquei triste, era uma relíquia.

Na lista de fregueses famosos, estão também Dercy Gonçalves, Regina Casé e Miguel Falabella. O ator e escritor sempre tomava o sorvete Dina Teresa (em homenagem à vedete e fadista portuguesa falecida em 1984), de creme, chantilly e fios de ovos. Miguel confirma:

— Quando era menino, morava na Ilha do Governador e ia ao Centro com minha avó. Ela me levava à Cavé para tomar aquelas taças de sorvete com fios de ovos. Aquilo era como caviar.

Preocupação com a família

O filho de Waldir, aquele do guarda-chuva, hoje é um taxista de 47 anos. O garçom também é pai de uma pedagoga de 44. Nascido em uma família de oito pessoas, estudou até o 2º ano do ensino fundamental, mas queria que a prole tivesse uma boa formação:

— O garoto não quis aproveitar, mas a menina fez jus ao meu investimento. Para pagar os estudos deles, fazia extra em casa de madame, preparando e servindo canapés. Foi no período em que estive separado (passou 14 anos divorciado, mas reatou o casamento há 12). Em vez de ir para a noitada ou curtir fossa, faturava para ter meu apê. Em 1995, comprei um conjugado no Flamengo.

A mulher tinha ciúme do marido, que nunca economizou nos sorrisos e até hoje é paquerado por freguesas:

— Outro dia, perguntei a uma senhora se ela ia querer a torrada Petrópolis com mel. Ela disse: “Não. De mel já basta você”. Eu respondi: “A recíproca é verdadeira”. Mas ficou só na simpatia.

Para Waldir, não faltam histórias:

— Certa vez, uma moça fez uma despesa, foi ao banheiro e se mandou. Depois de um tempo, voltou e eu a reconheci. Disse que deveria pagar adiantado e ela foi embora

Nascido em Três Rios, Waldir chegou à capital em 1968 e diz que não pensa em voltar para lá. Também não passa pela cabeça dele pendurar a gravata-borboleta:

— Continuo para manter um padrão de vida. Talvez, quando chegar aos 80 anos, já dê para pensar.


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